Gravação sugere que delegado viu montagem de parede de dinheiro: "Eles colocaram todo o dinheiro, só o dinheiro e pronto"
A foto, de uma
parede de dinheiro, é estrela dos comerciais de campanha de
Geraldo Alckmin.
Dinheiro preso com petistas, diz o texto.
O comercial repete o bordão:
DE ONDE VEIO O DINHEIRO?
Pergunta à qual eu acrescento esta: estas fotos são resultado de cenografia?
O delegado
Edmilson Bruno, da Polícia Federal, pode ter usado seus dotes de cenógrafo para preparar o material que vazou a jornalistas na sexta-feira, dia 29 de setembro, a dois dias do primeiro turno da eleição.
Os reais contidos no malote foram apreendidos pelo próprio delegado, num hotel de São Paulo, com dois homens acusados de negociar, em nome do Partido dos Trabalhadores, a compra de um dossiê que poderia implicar candidatos do PSDB com a máfia das ambulâncias.
As fotos do dinheiro, feitas durante perícia da Polícia Federal, na quinta-feira, por volta das cinco da tarde, foram entregues em um CD a quatro jornalistas antes do meio dia da sexta-feira.
O encontro entre o delegado Edmilson e os quatro repórteres foi gravado por ao menos dois deles.
Transcrições de trechos da gravação foram divulgadas pela primeira vez neste site no dia 2 de outubro, a partir de anotações que fiz enquanto ouvia a fita no gravador emprestado por um colega.
Ouvi a fita diante da casa de José Serra, enquanto esperávamos a saída do candidato a governador para votar.
Na mesma ocasião, pelo menos mais uma colega ouviu a gravação.
As anotações que fiz batem com o conteúdo da fita, cujo teor foi divulgado no dia 18 de outubro.
No início da conversa, o delegado quer provar que as fotos que está entregando são mesmo as do dinheiro apreendido com petistas.
DELEGADO: PRA PROVAR QUE O DINHEIRO É...Ó...ELE...Ó(...) DINHEIRO SEM SABER DAONDE É. E A CINTA, ESSA CINTA [DE PRENDER O DINHEIRO] É DA CAIXA, NÃO É MAIS A CINTA DO PAB [POSTO DE ATENDIMENTO BANCÁRIO]. E AQUI PROVA QUE É UM MILHÃO, CENTO E SESSENTA E OITO, Ó, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
REPÓRTER: O QUE É ISSO?
DELEGADO: ISSO AQUI Ó... O DINHEIRO...Ó... QUE TÁ NA CUSTÓDIA DA CAIXA ECONÔMICA, Ó... E DA PROTEGE... QUE ESTÁ AQUI À DISPOSIÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL... CAIXA ECONÔMICA FEDERAL... CUSTÓDIA Ó... FONTE: CUSTÓDIA... É O DINHEIRO.
REPÓRTER: UM MILHÃO...
DELEGADO:... CENTO E SESSENTA E OITO... QUE É O DINHEIRO DA...DO...
REPÓRTERES AO MESMO TEMPO: É O REAL... O REAL
DELEGADO: SÃO OS REAIS. ENTÃO AQUI... VOCES TIRAM AQUI... TIRA O NOME DA PROTEGE.
REPÓRTERES AO MESMO TEMPO: TÁ...
DELEGADO: PRA NÃO SABER QUE TÁ NA PROTEGE...
REPÓRTER: TÁ...
DELEGADO: VOCES FAZEM UMA EDIÇÃO. EU TENHO OUTROS DOCUMENTOS QUE FALA ASSIM: PAB [POSTO DE ATENDIMENTO BANCÁRIO] POLÍCIA FEDERAL. SE VOCES QUISEREM EU TRAGO PRA VOCES. ISSO AQUI, Ó, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E TEM UM QUE TÁ ESCRITO PAB [POSTO DE ATENDIMENTO BANCÁRIO] POLÍCIA FEDERAL, QUE É DE TREZENTOS EM TREZENTOS MIL OS DEPÓSITOS. AÍ EU FIZ JUNTAR NUM MALOTE SÓ E TEM A FOTO DESSE MALOTE... ENTÃO ISSO PROVA QUE É O DINHEIRO, TÓ.
Será que entendi direito?
Uma vez apreendido, o dinheiro foi depositado, em lotes de 300 mil reais cada, em nome do delegado Edmilson Bruno.
AÍ EU FIZ JUNTAR NUM MALOTE SÓ E TEM A FOTO DESSE MALOTE, afirma o delegado na gravação.
Ele juntou o dinheiro para fazer volume?
Na versão apresentada por Edmilson Bruno, um dia depois do vazamento das fotos, ele disse que se apresentou indevidamente aos peritos como delegado do caso.
Edmilson disse ter decidido contar a verdade para não prejudicar os peritos.
AÍ EU FIZ JUNTAR NUM MALOTE SÓ E TEM A FOTO DESSE MALOTE, disse Edmilson Bruno.
Quem juntou? Os funcionários da Protege? Os peritos da Polícia Federal?
Olhe mais uma vez para a foto acima. Por que o corte dela, rente à esquerda, elimina parte do malote?
Teria sido usado o programa de edição Photoshop?
Pelo menos foi o que sugeriu Edmilson Bruno no diálogo gravado com os repórteres.
Embora falasse a três repórteres de jornal e a um de rádio, o delegado estava com a cabeça nos noticiários de tevê:
Delegado Bruno: - Quando vocês passarem na TV... ó, tira o nome da Protege, tira essa data aqui, ó.
Voz masculina de repórter: - Tá, 28 do 9.
Voz feminina de repórter: - Tira a data...
Delegado Bruno: - Não, a data até pode deixar.
Voz feminina de repórter: - É...
Delegado Bruno: - Quer pôr a Protege, quer pôr a Protege?
Voz feminina de repórter:- Por que tirar a Protege?
Voz masculina de repórter: - Deixa... Foda-se...
Delegado Bruno: - Porque na realidade foi furtado e a Protege tem um monte de imagem, depois se isso aí vazar, pelo amor de Deus. E no Banco Central, falou assim: "essa aqui é a foto da Globo", que eles colocaram todo o dinheiro, só o dinheiro e pronto. Aí tem um envelope... escrito Banco Central, e todos os dados do dinheiro, dos dólares e meu nome embaixo. Agora, vocês têm que fazer um photoshop, porque tem fotos que aparece...
Voz masculina de repórter: - As pessoas do Banco Central...
Delegado Bruno: - Não, não... da Protege... do lado, contando o dinheiro, porque eu fui dentro...
Voz masculina de repórter: - Ah...
Voz feminina de repórter: - É só isso mesmo, doutor? Porque a gente já vai correndo para lá...
Esta foi a foto vazada pelo delegado Edmilson Bruno.
Esta é a foto que aparece na campanha eleitoral de Alckmin.
E estas são fotos reproduzidas nas capas de jornais na véspera do primeiro turno da eleição.
Socorro, o espírito conspiratório tomou conta do meu corpo...
Será que eu entendi direito?
Teria a cena acima, de uma verdadeira parede de dinheiro, sido montada para estrelar nos noticiários de televisão e na campanha eleitoral?
É o que deduzo a partir desta fala do delegado aos jornalistas que recebiam as fotos em um CD:
"E no Banco Central falou assim: essa aqui é a foto da Globo, que eles colocaram todo o dinheiro, só o dinheiro e pronto".
[Antes que se fale em mais uma conspiração da Rede Globo, é bom notar que a fala é do delegado e quem disse isso provavelmente queria caprichar para a emissora de maior audiência. Aguardem, que não demora e vão dizer que a Globo derrubou o avião da Gol]
Quem são ELES a que se refere o delegado?
Seriam os funcionários da Protege, que estavam ao lado contando dinheiro?
Os mesmos que o delegado pediu para eliminar das fotos usando o programa Photoshop?
Se foram os peritos, qual é o uso investigativo que esse tipo de foto pode ter para a perícia?
O delegado Bruno agia por vingança? Ou por motivos eleitorais...
Vale sempre repetir: de onde veio o dinheiro?
E onde estão as fotos do dinheiro SEM EDIÇÃO?
[atualizado em 22 de outubro de 2006]
E sabem em quem, eventualmente, o policial poderia jogar a culpa pelo sumiço das fotos? Saiba clicando em:
http://viomundo.globo.com/site.php?nome=PorBaixoPano&edicao=360
http://viomundo.globo.com/site.php?nome=PorBaixoPano&edicao=359
25/10/2006 14:11h
"NÓS, CONTRA KAMEL"
Reproduzimos abaixo a reportagem de Raimundo Pereira e Antônio Carlos Queiroz que é simultanemente publicada no site http://www.oficinainforma.com.br/. Trata-se de uma "edição especial" da publicação "Retrato do Brasil / Reportagem".
Clique aqui para ver fotos da reportagem.
NÓS, CONTRA KAMEL
Ingrata sorte! Somos obrigados a desafiar o campeão da mídia!
Antônio Carlos Queiroz e Raimundo Rodrigues Pereira
A história da formidável peleja entre os “nanicos” Antônio Carlos Queiroz e Raimundo Rodrigues Pereira contra Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da Central Globo de jornalismo, gigante da mídia brasileira.
Ali Kamel é um gigante da mídia. Diretor-executivo de jornalismo da Central Globo de Jornalismo, como assina suas declarações, ele comanda, por exemplo, o Jornal Nacional, que seis dias por semana, no começo da noite, diz para dezenas de milhões de brasileiros o que se passou aqui e no mundo.
Além desse extraordinário poder, Kamel é homem de sensibilidade sem par. Veja-se: no dia 29 de setembro, vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, ele decidiu que não se faria menção no JN ao acidente do avião da Gol que matou 154 pessoas porque. como disse, em matéria paga publicada na revista CartaCapital: “Um telejornal como o Jornal Nacional, recordista absoluto de audiência, constrói sua reputação assim: com notícias corretas, sem espalhar o pânico no País. Pôr no ar que um avião de passageiros da Gol ‘pode’ estar desaparecido, sem dizer qual o vôo e qual a rota é simplesmente levar o pânico para milhares de casas Brasil afora. Não fizemos isso. Não faremos isso”.
É, ainda, um jornalista como não há igual: neutro, imparcial, como revela no mesmo texto citado: “Não sou movido por paixões políticas e o meu compromisso é apenas com a minha profissão: relatar os fatos com correção e imparcialidade, não importando se beneficiam esta ou aquela corrente política”.
(Aliás, diga-se de passagem: Kamel teve de pagar a publicação de seu texto porque Mino Carta, o malvado diretor de CartaCapítal, não quis publicar na íntegra sua resposta, encaminhada na forma de uma missiva de modestos 13.953 caracteres, na CartaCapital, onde publicamos artigo que ofendeu o gigante!) Mesmo assim, o destino cruel, a natureza incontrolável que nos empurra para batalhas impossíveis, nos leva, Antônio e Raimundo – gente que se pode, sem desdém, colocar no rol da chamada “imprensa nanica”, a desafiar Kamel.
Do Olimpo onde vos situais, perdoai-nos, mas respondei, gigante do poder e das virtudes: a poderosa organização da família Marinho, a quem servis, é capaz de fazer uma revisão do seu procedimento na cobertura do chamado dossiê dos petistas divulgado no primeiro turno da eleição presidencial? Nós vamos fazer uma revisão do que fizemos.
Nos comentários à carta de Kamel, publicada no Observatório de Imprensa, a grande maioria dos internautas foi favorável ao nosso ponto de vista, segundo o qual a TV Globo agiu de modo faccioso nessa cobertura. A seguir publicamos uma pauta com os dois pontos centrais do que poderia ser uma revisão do tratamento que a grande imprensa deu ao episódio. Com isso, esperamos também oferecer ajuda aos internautas para que continuem pressionando o gigante Kamel a fazer a sua própria revisão.
1. O “ESCÂNDALO DO DOSSIÊ PETISTA” DEVERIA SER VISTO COMO “UMA GUERRA DE DOSSIÊS”, PORQUE TAMBÉM ENVOLVE OS TUCANOS
Na sua resposta à primeira matéria que publicamos em CartaCapital (“Fatos ocultos”, artigo de capa da edição de 18 de outubro), Ali Kamel diz que não respondeu inicialmente e de modo específico a nenhuma das questões que apresentamos a ele antes de publicar o texto simplesmenteporque todas as nossas premissas eram falsas. Kamel está errado. Nossa primeira premissa, por exemplo, era e continua sendo: o escândalo que acabou contribuindo para empurrar as eleições para o segundo turno foi denunciado pelo jornalismo das grandes empresas de modo unilateral.
Foi dado um tratamento a uma das pontas da história, a que envolvia “a banda sindical petista”, como dissemos, que foi amplamente denunciada; e, outro, à ponta que envolvia os tucanos, que não foi investigada. Havia, no entanto, efetivamente, uma disputa por dossiês, que é comum em todas as campanhas eleitorais, na precária política brasileira.
Dissemos no primeiro texto de CartaCapital: “É absolutamente razoável supor que Serra e
Negri”, os ex-ministros da Saúde de Fernando Henrique Cardoso cujos nomes apareceram no noticiário sobre a chamada máfia dos sanguessugas, que é de onde sai o escândalo dos dossiês, “sejam pessoas acima de qualquer suspeita”.
Dissemos a seguir: “É também justo ficar indignado com o baixo nível da política que se fundamenta no esforço de provar que o candidato adversário ou é ladrão ou está ligado a ladrões”. Mas concluímos: “por que achar que os petistas são os piores de todos os políticos, a priori, sem investigar o outro lado?”
Não fizemos essa pergunta por retórica. Sabíamos, concretamente, que havia descontentamento na própria Globo pelo comportamento unilateral da direção da empresa na cobertura dos fatos. Com base num levantamento minucioso desse descontentamento fizemos 10 perguntas a Kamel, afinal publicadas no texto de CartaCapital citado e às quais ele respondeu com uma nota evasiva. Nela diz, em síntese, que o presidente Lula considerou a cobertura da Globo isenta.
Na sua resposta posterior enviada ao Observatório da Imprensa e depois publicada como matéria paga em CartaCapital, Kamel volta a fugir da questão: diz que é contraditório termos perguntado porque a Globo não investigou a ponta dos tucanos do mesmo modo como investigou a ponta dos petistas no escândalo e termos dito também que foram engavetadas matérias que investigavam essa ponta peessedebista. Parece contraditório mas não é: nós não defendemos o tipo de investigação que a Globo fez de um lado, nem queríamos que ela fizesse o mesmo do outro lado; o que dissemos é que a Globo não investigou um dos lados com empenho; e engavetou uma ou duas matérias que, a despeito disso, foram feitas sobre o assunto.
A questão seria irrelevante se a ponta tucana da história de fato não existisse. Mas essa conclusão não se deve tomar como pressuposto. Ouvimos, pouco antes do fechamento deste artigo, que o alto comando tucano em São Paulo telefonou mais de uma vez para liderança do PT paulista buscando um acordo na guerra de dossiês que efetivamente existia antes do 15 de setembro, data em que são presos, no Hotel Íbis Congonhas, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão, Valdebram Padilha e Gedimar Passos, intermediários petistas na compra do suposto dossiê sobre os tucanos. Ouvimos também, da deputada Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) parlamentar da CPI que investiga a história, que o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), também da comissão, fez um pedido seletivo de documentos à Justiça de Mato Grosso.
E, assim, a própria CPI do Congresso não tem todas as informações da Justiça. E estaria deixando de investigar e absolvendo os tucanos por antecipação, porque se concentra em investigar os petistas, em relação aos quais existem inúmeros indícios e documentos, levantados pela imprensa e pela polícia. Mas não vai com o mesmo empenho em busca dos tucanos, embora esteja mais do que provado que o escândalo da compra superfaturada de ambulâncias é antigo e a maioria dos casos é dos governos do PSDB.
E o outro lado? No segundo artigo para Carta Capital (“Contribuições ao dossiê da mídia”, 25 de outubro) mostramos que, no banco de dados da Polícia Federal – que investigava, até o fechamento deste texto, basicamente o lado petista do escândalo – já estavam listadas 46.755 pessoas, 43.778 contas bancárias, 17.245 telefonemas, 6.137 contratos em dólares e 158.094 transações financeiras. É óbvio que, se a imprensa continuar investigando o escândalo nessa mesma linha, sempre terá mais assunto. “Secretário de Lula ligou para ‘articulador’ do dossiê”, foi a manchete da Folha de S. Paulo de 21 de outubro, referindo-se a dois telefonemas entre Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente Lula e Jorge Lorenzetti, que é tido como “o articulador nacional da compra do dossiê” – o dossiê petista, é claro.
Mas, e o outro lado? E os milhares de pessoas, contas bancárias, telefonemas, contratos e transações que podem ser investigados se se começar a perseguir com a mesma fúria o pobre do empresário Abel Pereira que é tido como o elo entre a máfia dos sanguessugas e Barjas Negri, o ex-ministro da Saúde tucano e ex-secretário geral de José Serra no mesmo ministério? Repita-se: não estamos dizendo que a imprensa das grandes empresas faça com o PSDB a mesma estupidez que está fazendo com o PT – jogando nomes na rua, difamando pessoas, sem um cuidado maior. O que dizemos é que ela age com dois pesos e duas medidas.
Finalmente, ainda sobre a origem do escândalo, se deveria investigar os exatos mandados judiciais do promotor Mário Lúcio Avelar, que chefiou a denúncia do escândalo e que disparou a polícia no encalço dos petistas. Mostramos no primeiro texto de CartaCapital que Avelar dirigiu várias investigações anteriores de modo faccioso. E que, no caso do dossiê pode estar repetindo o mesmo procedimento. Não é crime comprar informações. Não é crime pagar serviços com dinheiro vivo.
Com que mandado judicial, então, Gedimar e Valdebran foram presos pela Polícia Federal no Ibis Congonhas no dia 15 de setembro? Nas defesas que encaminharam ao Tribunal Superior Eleitoral, os advogados de Gedimar e Valdebran afirmam que a prisão dos dois foi irregular, sem a expedição de um decreto de prisão temporária. Eles afirmam também que seus clientes foram interrogados na Superintendência da Polícia Federal sem o acompanhamento de um advogado, não lhes sendo permitido chamar um defensor ou mesmo telefonar para seus familiares.
Gostaríamos aqui de ouvir a posição do gigante Kamel: ele acha que a polícia pode prender pessoas sem um mandado judicial preciso? O certo é a polícia obter um mandado judicial qualquer e sair investigando a pessoa? Para nós, esse comportamento é medieval. A partir de um mandado judicial que pode ser apenas para investigar chantagem dos Vedoin contra os tucanos – o que é crime –, pode-se prender petistas interessados em comprar informações dos Vedoin para divulgá-las pela imprensa, o que não é crime?
A justiça mantém preso um dos Vedoin, o filho, mas teve de soltar Gedimar e Valdebran. Por que? Não é porque não há crime que se possa imputar a eles? Diversos comentaristas da imprensa pátria – Alberto Dines, Elio Gaspari, Luiz Garcia – acham que o que importa é que os petistas estavam cometendo uma patifaria.
Tudo muito bem. É certo que a política brasileira está cheia de patifes e patifaria. Mas, qual é o critério para prender patifes, gigante Kamel? Você acha, como o jornal O Globo da quinta-feira dia 12 de outubro, citada por nós no primeiro artigo, que o método é esse: prender a pessoa primeiro e depois ir atrás do crime que ela possa estar cometendo, como se está fazendo? “Há duas hipóteses de o episódio vir a configurar crime”, diz O Globo da data citada, referindo-se à necessidade de buscar provas contra os petistas que foram presos. “A primeira, se for comprovada a origem ilícita do dinheiro apreendido com os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Nesse caso, os envolvidos poderiam ser processados por crime de ocultação de valor proveniente de ilícito (...). A segunda possibilidade é a de o dossiê conter falsas provas, configurando crime eleitoral de obtenção de documento material ou ideologicamente falso, para fins eleitorais?”.
Então, agora é assim? Prende-se primeiro e se vai atrás do crime depois, se for um petista – especialmente um sindicalista - gente suspeita, é claro? A prevalecer tal ponto de vista, o Brasil estará inaugurando um novo princípio do Direito, a presunção da culpa, segundo a qual todos seriam culpados até prova em contrário.
Estaríamos, assim, jogando na lata de lixo uma grande conquista da Revolução Francesa, a presunção da inocência, consignada na Constituição Federal, segundo a qual nenhuma pessoa será considerada culpada até que tenha sido assim julgada em última instância. O gigante Kamel, homem piedoso que nunca fez nem jamais fará a vilania de dizer que um avião desapareceu antes de ter absoluta certeza do desaparecimento, para não levar pânico às famílias, não percebe que, se não tem posição clara sobre essa questão, se arrisca a colocar-se acima da justiça e a ter o direito de perseguir qualquer cidadão que seus editores considerem suspeito?
2. A GRANDE MÍDIA INTERVEIO FACCIOSAMENTE NAS ELEIÇÕES, COM O ESCÂNDALO DO DOSSIÊ, ELA TAMBÉM DEVE SER INVESTIGADA
A principal crítica que fizemos a Kamel no primeiro artigo de CartaCapital é de que ele soube do áudio com a gravação das conversas de Edmilson Bruno, o delegado que passou as fotos do dinheiro do “dossiê petista” aos jornalistas, na qual ele revelava o claro propósito de interferir no processo eleitoral e ocultou esse fato. Bruno insistia que as fotos deveriam ser apresentadas no Jornal Nacional, naquela sexta-feira, 29 de setembro, antevéspera das eleições. Kamel escondeu esse fato. Disse a um repórter da emissora: “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os efeitos, não a temos”.
Kamel se defende de várias maneiras cavilosas. Sugere que o atacamos porque queríamos que se revelasse a fonte que divulgou as fotos, o que nunca fizemos. No texto citado dizemos claramente que alguns dos quatro repórteres que receberam as fotos do delegado Bruno ouvidos para a primeira matéria de CartaCapital disseram, em defesa da tese de que o áudio não devia ser divulgado, que o jornalista deve preservar o sigilo da fonte.
Nós concordamos que a fonte deve ser preservada; mas dissemos que se deveria publicar os trechos da fita de áudio que revelavam o propósito político do delegado, sem citá-lo nominalmente, preservando a fonte, portanto.
Qual era o propósito político do delegado Bruno? Kamel tenta também fugir desse problema. Ele diz na sua carta-resposta de 19 de outubro: “Agiu mal a TV Globo ao preservar a fonte? Também não, porque ao mesmo tempo em que preservou a fonte, não fez, em nenhum momento, o que ele pediu: alegar que os CDs haviam sido furtados”.
De fato, na sexta-feira 29 de setembro, a TV Globo não fez, como fizeram os três diários que também receberam a fita, junto com a Jovem Pan: O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo e O Globo. Todos os três jornais publicaram no dia 30 matérias dizendo que um policial lhes havia dito que as fitas tinham sido roubadas, o que era uma mentira descarada, para enganar os leitores.
Note-se que a Jovem Pan não agiu assim. Ela tem um site onde poderiam ter sido publicadas as fotos do dinheiro e onde poderia ter divulgado o áudio da conversa do delegado. Mas não divulgou nem uma nem outra coisa. Também não divulgou a mentira de que as fotos tinham sido roubadas, como queria Bruno. André Guilherme, o repórter da Pan, levou os dois documentos para os seus editores e eles decidiram que não se deveria publicar nenhum deles, com o argumento de que a justiça eleitoral poderia considerar a publicação uma interferência indevida, o que de fato era.
Kamel diz também, no que foi apoiado por pessoas como Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, que nós omitimos que o delegado Bruno também pediu para que as fotos fossem divulgadas em outros programas de televisão na noite do dia 29 e que isso invalida o argumento de que o delegado tinha um propósito político claro. É claro que não invalida. Não é que nós não soubéssemos que o delegado fez as referências a outras tevês. No blog do repórter da Globo Luiz Carlos Azenha, o primeiro a divulgar trechos do áudio da conversa do delegado já se fala na Band. Consultamos o blog do Azenha cuidadosamente.
Nossa escolha Kamel, que é o chefe último de um noticioso de pouco mais de meia hora no qual se tenta concentrar o que há de mais importante no dia no Brasil e no mundo, sabe que editar é escolher. Nós escolhemos destacar o papel do Jornal Nacional nos planos do delegado Bruno. E dissemos isso explicitamente: “Para o que mais interessa ao desenrolar da nossa história, dos trechos da fita, deve-se destacar a preocupação de Bruno em fazer com que as fotos chegassem no dia ao Jornal Nacional”.
Kamel diz que “o que mais impressiona” na nossa reportagem inicial na CartaCapital é o fato de termos destacado a frase do delegado que diz: “Tem de sair hoje à noite na TV. Tem que sair no Jornal Nacional”. Diz que é uma frase citada só pela metade. Que falta a continuação: “Se for o SBT, Ana Paula Padrão”. Kamel diz, referindo-se a essa parte da fala do delegado não citada por nós: “Trata-se de um caso de omissão cujo objetivo pode ter sido dar a entender que a intenção do delegado era vazar as fotos prioritariamente para a
TV Globo. Nada mais falso”.
Não é que o nosso propósito “pode ter sido dar a entender” que o objetivo do delegado era esse. Não é “pode ter sido”. Foi. E não é “dar a entender”. Foi provar que o propósito era esse mesmo. Kamel não citou na sua carta resposta o trecho do delegado Bruno no qual ele pergunta pela Globo, aos quatro jornalistas, ao passar o CD com as fotos. “Tem alguém da Globo aí?” Na gravação, um dos quatro responde: “Tem o Bocardi.” E Bruno continua: “Não é o Tralli? O Tralli está muito visado”. Bruno se referia a César Tralli, o repórter da Globo que se disfarçou de policial federal e, junto com a PF, acompanhou a prisão de Flávio Maluf, filho de Paulo Maluf, episódio que o teria deixado “visado”. Referia-se também a Rodrigo Bocardi, repórter da TV Globo que estava na Polícia Federal, embora em outro local, na hora da conversa citada.
Quando redigimos a primeira matéria para CartaCapital, registramos a fala de Bruno sobre Tralli mas entendemos o seu significado como uma referência do delegado a aquele episódio. Na semana seguinte, entrevistamos Tralli e compreendemos que não era isso. Tralli nos explicou porque foi ele o que mais rapidamente saiu com as fotos da PF: porque Bruno, enquanto deu uma cópia do CD com as fotos para os quatro que o ouviam, pedindo-lhes que copiassem e devolvessem o original, como se tivesse uma cópia apenas, logo depois disso procurou Tralli e lhe deu outra cópia que tinha, só para ele. E Tralli correu com ela para a redação.
Tralli não é nenhuma criança, como nos disse: sabe que o jogo eleitoral é cheio de “armadilhas e patifaria”. Conhece o delegado Bruno, por quem, aparentemente, não tem grande apreço. Por que Kamel não citou o tratamento especial de Bruno a Tralli? Porque, claro como o sol, este fato mostra a pantomima de Bruno diante dos quatro jornalistas, ao insinuar que Tralli não era o nome certo para receber as fotos. E, mais que isso, prova que a prioridade de Bruno era a TV Globo.
Kamel diz que “é falsa a afirmação” [que fizemos na CartaCapital] de que ele “teria tomado conhecimento na própria sexta-feira de uma fita com a conversa entre o delegado Bruno e os jornalistas a quem distribuiu as fotos”. Diz que “soube da possível existência de uma fita no dia seguinte” quando dirigentes do PT disseram que a fita existia.
Diz que, nesse dia, sábado, 30 de setembro, no início da noite, ligou para Luiz Cláudio Latgé, diretor de jornalismo da Globo em São Paulo, para saber se a Globo sabia da fita. Latgé lhe teria dito que Boccardi tinha ouvido a fita, “fora da Globo”. Depois disso, Bocardi reproduziu para ele, Kamel, o conteúdo da fala de Bruno. Frase fatal Kamel escreve de modo a parecer até que ele estava mesmo preocupado em saber se o delegado Bruno tinha motivações políticas. Ele diz que, ao falar do conteúdo da fita, Bocardi “foi enfático ao afirmar que nos dez minutos de conversa, em nenhum momento o delegado se eferiu ao PT ou a motivações políticas”.
Como se a motivação política do delegado não estivesse claríssima em seus atos: por ter produzido as fotos de maneira clandestina; por ter manipulado as imagens, fazendo com as notas de dinheiro arranjos para que parecessem ter mais volume do que têm, colocando-as de pé, com a face voltada para quem as olha, e escolhendo um ângulo de baixo para cima, contra o teto, para ampliá-las; por ter tornado explícito que elas tinham que ir para o ar naquele mesmo dia, antevéspera das eleições, nos noticiosos do começo da noite, para ter mais repercussão.
Escrevemos na primeira matéria de CartaCapital que Kamel soube, ao contrário do que diz, na sexta-feira, do áudio da conversa do delegado Bruno. E que é também dessa sextafeira, 29 de setembro, a frase dele ao saber da fita e de seu conteúdo: “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os efeitos, não a temos”.
Curiosamente, Kamel não desmente que disse a frase, que não ouvimos dele, mas de terceiros. Depois de voltar a checar nossas informações, repetimos o que dissemos: o áudio do delegado com os quatro jornalistas foi levado para a Globo na sexta-feira; Kamel soube dele nesse dia. Admitamos porém que Kamel tenha dito a frase no sábado, quando quis se inteirar do conteúdo da fita de áudio com mais detalhes, diante de sua repercussão? Isso diminui sua responsabilidade na sexta? Não: ele é o responsável pelo jornalismo político da TV Globo.
Até gente conservadora da sua equipe de jornalismo reclama da enorme vigilância que ele exerce sobre cada palavra do noticiário político mais sensível da emissora. E é justamente por isso, repetimos, que ele é chamado de o Ratzinger da Globo, o guardião da doutrina da fé dos Marinho, do mesmo modo como o ex-cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento 16, foi o guardião da doutrina da fé católica no papado de João Paulo II.
No período no qual “o escândalo do dossiê dos petistas” dominou a mídia, de 15 a 30 de setembro, a vantagem de Lula sobre Alckmin, que era de cerca de 20 pontos percentuais antes, se reduziu a apenas 7%. Ou seja: a ação da mídia, com a Rede Globo à frente, puxou Alckmin de 34% das preferências dos eleitores, para 42%; e derrubou Lula de 53% das preferências, para 49%. Ou seja, ainda: a ação da mídia carregou as eleições para o segundo turno e, por pouco, não levou Alckmin ao primeiro lugar.
Nessa história há um fato inquestionável: a manipulação dos resultados eleitorais com uma cobertura facciosa do chamado escândalo do dossiê. Do ponto de vista da responsabilidade pessoal dos jornalistas, a história é um pouco mais complicada. Admitimos que ainda há margem para dúvida. Achamos que se deve ouvir mais gente.
Assim como procuramos Kamel antes de escrever a primeira matéria, procuramos Bocardi e Latgé, também. Bocardi nos atendeu. Foi ele que levou a fita de áudio do delegado Bruno para a Globo. Latgé só nos atendeu depois do primeiro texto publicado. Por ser o diretor de jornalismo da Globo em São Paulo deve ter sido ele a pessoa que discutiu com Kamel, na sexta, o material que tinha em mãos: o CD com as fotos e a fita com o áudio. Mas, tanto Bocardi como Latgé nos receberam muito mal e não quiseram dar nenhuma explicação, mesmo depois de termos garantido a eles o sigilo de fonte – e fizemos isso porque sabemos que jornalista pode ser demitido, na imprensa do grande patronato, apenas por falar a verdade.
Sugerimos que, em função de sua gravidade, os congressistas investiguem o assunto; que se forme uma CPI para analisar a ação da mídia nas eleições de 2006. Nas investigações que poderiam se seguir esperamos que o gigante Kamel não faça o que a grande mídia critica no presidente Lula: que jogue a responsabilidade sobre o repórter Bocardi e o chefe da redação paulista da Globo, Latgé, dizendo que foram estes seus subordinados os responsáveis.
http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/396501-397000/396828/396828_1.html
25/10/2006 13:52h
MAURÍCIO DIAS: "QUEM ASSINA É O KAMEL"
O Conversa Afiada recebeu do jornalista Mauricio Dias o seguinte artigo:
“QUEM ASSINA É O KAMEL”
Mauricio Dias - Diretor adjunto da revista Carta Capital
“Recebi uma menção honrosa no anúncio pago da Globo, publicado em Carta Capital e assinado pelo jornalista Ali Kamel, no qual a emissora tenta explicar o comportamento adotado na cobertura das eleições presidenciais de 2006 e, principalmente, no caso da compra do “Dossiê dos Vedoin”, uma história cuja lacuna não é somente a da origem do dinheiro apreendido com os “aloprados” petistas. Os pontos inexplicáveis são, nesse caso, muito maiores, como expôs Carta Capital na reportagem “A trama que levou ao segundo turno”.
O episódio investigado pelo Polícia Federal, mas, explorado com cirúrgica precisão política, alterou o resultado de uma eleição que poderia ter sido decidida no primeiro turno.
Tive uma participação periférica na reportagem assinada por Raimundo Pereira. Fiquei somente com a incumbência de formular, e encaminhar à Rede Globo de Televisão, algumas perguntas que resumiam as dúvidas que nos assaltavam a partir das informações que sustentaram a reportagem.
Liguei inicialmente para Luís Erlanger, Diretor Geral da Central Globo de Comunicação, e não obtive resposta. Dirigi, em seguida, um email para Ali Kamel, Diretor de Jornalismo da Central Globo de Jornalismo, com 10 perguntas capitais. Todas de cunho absolutamente jornalísticos e também, sabia eu, absolutamente embaraçosas para o destinatário. Mas, como diz o povo que não é bobo, perguntar não ofende.
Aquela dezena de perguntas vagava pela teoria - qual o critério adotado para a distribuição de tempo entre para os candidatos e qual o principio que norteou esse critério - e caminhava pelos fatos: por que o Jornal Nacional jamais citou que 70% das ambulâncias da Planam foram liberadas na gestão do PSDB? Por que os telespectadores do JN nunca viram o ex-ministro da Saúde, José Serra, discursando numa cerimônia de entrega de ambulâncias ao lado dos “sanguessugas”?.
Kamel agiu como lhe pareceu melhor. Evitou dar respostas, subiu na montanha da arrogância e, lá do alto, falou: “Se tem uma coisa que tem alegrado a nós, jornalistas da TV Globo, é o alto grau de isenção que temos conseguido imprimir na cobertura dessas eleições”. E foi por aí afora. De mim para mim, sorri da hipocrisia.
Mandei um email de volta comunicando que ia publicar, na íntegra, as perguntas que fiz e a resposta que recebi. Não sei se Kamel notou que eu ia botar a arrogância dele (e da Globo) no mostruário público. Luís Erlanger percebeu.
Com uma ponta de irritação na voz maldisse a decisão de Kamel e fez questão de registrar que aquele não era o padrão de comportamento da emissora. Eu, que já tinha ouvido falar de Ali Kamel, como o guardião dos princípios da fé da Globo, o Ratzinger do palácio platinado no bairro do Jardim Botânico, no Rio, fiquei surpreso.
Quem tomou mesmo as rédeas da questão foi o Erlanger. Ele mandou a resposta com um tamanho que tornava impossível a publicação. Colocou a questão como tudo ou nada. Ponderei. Chegou a aceitar uma solução intermediária. De qualquer forma me mandou a resposta e resgatou a condição imperativa. Atacava as perguntas como questões “com premissas falsas” ou “relatavam episódios que não existiam”. Será que ele se referia à reportagem sobre Abel Pereira que foi editada e não aproveitada no JN? A reportagem, por sinal, ainda na quinta-feira (19) dormia na gaveta da sucursal de São Paulo. Quem velava pelo sono dela? De qualquer forma, o texto enviado por Erlanger manteve o erro: não respondeu as perguntas feitas.
A história chegou ao final com email enviado às pressas por Luís Erlanger. Ele tinha esquecido um detalhe importante e me recomendava: “Quem assina o texto é o Ali Kamel”.
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