sexta-feira, novembro 17, 2006

17/11/2006 09:01h

IMPRENSA AJUDOU A DERRUBAR JANGO EM 1964

Para o historiado Rodrigo Patto Sá Motta, autor do recém-lançado livro “Jango e o golpe de 1964 na caricatura” (editora Jorge Zahar), qualquer semelhança entre o período de Jango e o momento político atual não é mera coincidência. Ele disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta quinta-feira, dia 16, que a imprensa contribuiu para a queda do presidente João Goulart em 1964 (aguarde o áudio).


“O contexto político atual é parecido com aquele que derrubou o presidente Goulart. A situação é semelhante. O Lula é um presidente de cor esquerdista, assim como Goulart era. Muitos setores da sociedade temiam Lula por razões semelhantes a que os jornais dos anos 60 temiam Goulart”, explicou Motta.


O historiador faz a seguinte análise no livro: “Embora não se possa responsabilizar a grande imprensa pela queda de Goulart, é inquestionável a contribuição dos jornais para o enfraquecimento do governo, ao divulgar imagens que ajudaram a disseminar insegurança e mesmo pânico entre setores influentes da sociedade brasileira. Como parte integrante do discurso jornalístico, as caricaturas concorreram para o estabelecimento do quadro de insegurança que alicerçou as bases para o golpe de Estado, não obstante a sua veia humorística implicasse, por vezes, abordagens menos dramáticas da crise política”.


E continua: “A grande imprensa, naturalmente com exceção do jornal Ultima Hora, recebeu bem o movimento civil-militar que derrubou Goulart – de fato, com indisfarçável sensação de alívio – e o teor da maioria das caricaturas acompanhou essa tendência.” (p.179)


Leia a íntegra da entrevista com o historiador Rodrigo Patto Sá Motta:


Paulo Henrique Amorim - Eu sei que o senhor está nos Estados Unidos, não é isso?


Rodrigo Patto Sá Motta - É. Estou fazendo aqui pós-doutorado.


Paulo Henrique Amorim - Pós-doutorado em que?


Rodrigo Patto Sá Motta - Na minha área, na área de história. Vou lecionar aqui no próximo semestre na Universidade de Maryland.


Paulo Henrique Amorim - O foco da sua atenção no momento qual é?


Rodrigo Patto Sá Motta - Minha pesquisa atual é o regime militar brasileiro, especialmente as políticas direcionadas às universidades brasileiras. No regime militar houve uma grande mudança no cenário das universidades. Houve um crescimento grande do sistema universitário e, ao mesmo tempo, uma repressão muito grande, uma vigilância, uma perseguição, uma política paradoxal. Mais investimento, mais dinheiro e mais repressão.


Paulo Henrique Amorim - E isso vai se transformar em um livro também?


Rodrigo Patto Sá Motta - Provavelmente sim, mas vai demorar um pouco mais porque estou começando praticamente. Então, isso demora dois ou três anos para gerar um livro. Vamos ver.


Paulo Henrique Amorim - Esse trabalho sobre a caricatura também é no âmbito de uma tese acadêmica?


Rodrigo Patto Sá Motta - Não, ele foi, depois que eu terminei minha tese de doutorado, em 2000, eu comecei essa pesquisa das caricaturas. Mas se somou também quatro anos de trabalho, entre pesquisa.


Paulo Henrique Amorim - Quatro anos? É muito tempo, né?


Rodrigo Patto Sá Motta - É, na verdade a gente fala quatro anos, isso não quer dizer que eu trabalhei quatro anos, oito horas por dia. Ao mesmo tempo eu estava dando aula, estava fazendo outras coisas. Entre o início e o fim do projeto, foram quatro anos.


Paulo Henrique Amorim - Agora vamos falar sobre o livro. Eu vou pular para as considerações finais e ler um trecho aqui sobre o qual eu gostaria que o senhor pudesse aprofundar, discutir, até onde for necessário. Diz assim: “Embora não se possa responsabilizar a grande imprensa pela queda de Goulart, é inquestionável a contribuição dos jornais para o enfraquecimento do governo, ao divulgar imagens que ajudaram a disseminar insegurança e mesmo pânico entre setores influentes da sociedade brasileira”. No parágrafo seguinte: “A grande imprensa, naturalmente com exceção do jornal Ultima Hora, recebeu bem o movimento civil-militar que derrubou Goulart – de fato, com indisfarçável sensação de alívio”. Professor, a minha perplexidade ao ler o seu livro – e foi o motivo pelo o qual eu tomei a iniciativa de importuná-lo e conversarmos um pouco – o fato de que acabamos de viver um problema muito parecido e praticamente com os mesmos personagens, com os mesmos órgãos de imprensa, com a exceção, é claro, daqueles que sumiram, com a “Última Hora”, o “Correio da Manhã”, mas se notabiliza nessa sua pesquisa o jornal “O Estado de S. Paulo”, que tinha naquela época uma admirável caricaturista, que tinha uma qualidade que eu compartilho da sua opinião, que é a Hilde, que era uma grande caricaturista. Mas o fenômeno político é o mesmo, não é isso, professor?


Rodrigo Patto Sá Motta - O contexto político atual é parecido. Você propõe uma comparação entre a figura de Lula com a figura de Goulart.


Paulo Henrique Amorim - E o papel da imprensa.


Rodrigo Patto Sá Motta - É, e o papel da imprensa. A situação é semelhante. O Lula é um presidente de cor esquerdista, assim como Goulart era. Muitos setores da sociedade temiam Lula por razões semelhantes a que os jornais dos anos 60 temiam Goulart. Alguns jornais têm posições muito parecidas como o “Estado de S.Paulo”, que você mencionou. Aliás, o “Estado de S.Paulo” é impressionante pela coerência das posições dele, um liberalismo algo elitista que muitas vezes se aproxima de soluções autoritárias, como ter apoiado o golpe. Mas, ao mesmo tempo, o “Estado de S.Paulo” se opôs ao regime militar quando a censura ao próprio “Estado de S.Paulo” começou a ficar pesada. Ele, como então, continua a liberal até hoje, continua tendo as mesmas posições, é um caso bastante interessante de coerência ao longo do tempo. Tem semelhanças em relação àquele contexto. Mas há diferenças também porque hoje não existe, como naquela época, o mesmo medo a esquerda, o mesmo temor de mudanças sociais grandes podem acontecer. Então, o comportamento da imprensa em relação ao Lula na eleição anterior como nesta, não tem o mesmo grau de, vamos dizer assim, de agressividade que teve a imprensa com Goulart 40 anos atrás. Há uma ligeira diferença. O curioso e paradoxal é que o Lula tem um compromisso com a esquerda muito mais forte que o Goulart tinha naqueles anos.


Paulo Henrique Amorim - Ah, sim. Até pela origem: um é proletariado, o outro é latifundiário.


Rodrigo Patto Sá Motta - Exatamente. E o Lula com a origem em um partido de esquerda, que tem muitos militantes marxistas, tinha uma aliança com o Partido Comunista, mas era uma aliança, mas era uma aliança meio ambígua, não era tão fiel a elas. Mas na época o medo era tão grande que bastava um presidente ser próximo da esquerda para isso gerar a reação que gerou com o golpe de 64. Considerar o contexto internacional, a questão da Guerra Fria, havia a sensação de que o mundo estava dividido, então, o governo brasileiro aliado à esquerda era visto como um problema para os Estados unidos. A situação hoje é diferente porque não há mais esse grande medo da esquerda, e nem os Estados Unidos tem mais esse papel de jogar contra governos reformadores. É claro que os Estados Unidos não apreciam governos reformadores como os do Chávez, na Venezuela, mas um governo moderadamente reformador para o governo americano não é problema nenhum. Não é algo que vai gerar oposição.


Paulo Henrique Amorim - Mas o senhor não acha interessante que essa hostilidade ou essa animosidade ainda que em termos diferentes ou intensidade diferente entre um presidente de inclinação esquerdista ou trabalhista e a mídia conservadora brasileira, que isso é um fenômeno que ultrapassa... São 42 anos. Parece que estamos vendo um videoteipe levemente alterado, distorcido.


Rodrigo Patto Sá Motta - Certamente há semelhanças.


Paulo Henrique Amorim - Por que há semelhanças? Por que isso não muda?


Rodrigo Patto Sá Motta - Bom, porque os setores que você está mencionando são setores ligados a interesses dos status quo que tem medo de uma reforma, que tem medo de que um governo de esquerda comece a interferir na livre iniciativa, aumente a presença do Estado na economia, enfim, são os temas que afetam a visão de mundo liberal, interesses dos liberais. Então, há o temor de o governo Lula, pro ter uma ala na esquerda, por ter o pé na esquerda, venha a propor políticas que vão se chocar com os interesses desses grupos. Então, está aí essa preocupação. A questão é saber se o governo Lula vai de fato afrontar algum desses interesses, e tem que se portar de forma muito moderada. Aliás, eu acho que a moderação do governo Lula, em grande parte, é para não encontrar com as expectativas desses grupos que temem reformas. Eu acho que é mais moderado do que seria em outras circunstâncias. Quando tomaram posse em 2002, muitos líderes do governo do Lula deram essa impressão, que temiam os fantasmas de 64, afrontar demais as forças conservadoras.


Paulo Henrique Amorim - O senhor acha que o Jango está no inconsciente do Lula?


Rodrigo Patto Sá Motta - Ah, com certeza. Pelo menos em 2002 ele estava. Eu me lembro de algumas pessoas escrevendo na imprensa, em 2002, prevendo uma possível derrubada do Lula como a do Jango, o que foi um pouco precipitado. Mas eu acho que esse tipo de análise influenciou a atuação do governo na busca de se mostrar confiável, para não mostrar que era realmente perigoso. Mas, ao mesmo tempo, tentando manter o compromisso com sua ala à esquerda.

Paulo Henrique Amorim - O senhor acha que a caricatura ainda tem a força que tinha neste papel de enfraquecer um governo de esquerda?


Rodrigo Patto - Eu não fiz pesquisa sobre caricaturas atuais, minha resposta é especulativa. Acho que o impacto hoje é menor por causa da explosão do mundo das imagens. Tem internet, uma série de visuais que não havia nos anos 60. E a própria imprensa escrita, a importância do jornal de papel era muito maior do que é hoje. Não tinha aí, como é seu caso, um jornalismo na internet, ágil, de qualidade. Acho que a caricatura não tem o mesmo impacto que tinha, embora também a caricatura esteja entrando nestas novas mídias. Mas o impacto é menor, embora isso tenha de ser melhor pesquisado.


Paulo Henrique Amorim - O senhor encontra hoje na caricatura brasileira alguém com o talento da Hilde?


Rodrigo Patto - Existem caricaturistas extraordinariamente talentosos. O Brasil, aliás, em termos de talento tem uma bela tradição. Como os irmãos Caruso, por exemplo. Agora, os anos 60 foi um período muito interessante por causa da radicalização política, uma polarização muito aguda, maior que a que nós vivemos hoje. E isso estimulou muito a produção, estimulou uma agressividade muito grande, e combinado com um quadro de liberdade de imprensa que estimulou a capacidade criativa dos artistas. Foi muito marcante aquele período.Outra coisa que eu gostaria de comentar também é que no nosso imaginário sobre a imprensa este período pré-64 foi muito apagado. As pessoas não conhecem a Hilde, o Augusto Bandeira, elas se recordam do pessoal do Pasquim...


Paulo Henrique Amorim - O Lan, muito bom...


Rodrigo Patto - O Henfil... penso que pelo resultado de 64. A imprensa apoiou o golpe de 64 e hoje ela tenta se desvencilhar...


Paulo Henrique Amorim - Finge que não lembra... (risos)


Rodrigo Patto - Pois é, não lembra... as pessoas esquecem. A imprensa neste aspecto tem contribuído para construir uma outra memória, de quem resistiu, combateu. Mas se esquece que ajudou a desenvolver o golpe. Se bem que boa parte dos meios de comunicação não desejava a ditadura, mas eles apoiaram nos primeiros anos. Algumas apoiaram o tempo todo. As Organizações Globo nunca deixaram de apoiar. Alguns se chocaram de alguma maneira, como o JT, o Estadão... esta memória da imprensa com relação ao golpe é problemática, e da mesma forma a memória caricatural. Ficou no nosso imaginário os caricaturistas de esquerda e nos esquecemos que havia antes uma produção mais próxima do pensamento liberal e conservador que teve muita influência e gerou trabalhos muito criativos.


Paulo Henrique Amorim - Eu, embora não concorde com as idéias e as mensagens que estão ali, acho a Hilde uma caricaturista inesquecível.


Rodrigo Patto - Ela era brilhante. Eu acho que a posição ideológica dela atrapalhou um pouco a preservação do seu trabalho, porque ela ficou muito ligada a esta direita liberal, e isso atrapalhou, enquanto outros artistas com posição mais à esquerda tiveram mais fortuna.


Paulo Henrique Amorim - Agora, o senhor não explorou muito o Corvo do Lavradio, o Lacerda, que era magnificamente caricaturado pela Última Hora. Até o senhor diz que os lacerdistas, os lanterneiros, como eram chamados pelo pessoal do PDT, tentaram transformar o corvo num pássaro simpático. Mas seu livro não trata muito do corvo, me permita a intimidade.


Rodrigo Patto - É verdade. Porque o foco do livro era tentar entender por que o governo Goulart foi derrubado. Lacerda é uma figura que merece uma pesquisa a parte. Daria facilmente um livro sobre a produção cultural dedicada a ele. É muito interessante. Focalizando os jornais mais à esquerda, como Última Hora, Semanário...


Paulo Henrique Amorim - Como era o nome daquele jornal do partidão...


Rodrigo Patto - Novos Rumos. Era um semanário da época. Os mais interessantes estão na Última Hora e no Semanário, que era da Frente Nacionalista, tinha um caricaturista muito bom. Mas acabei deixando um pouco de lado, coloquei umas três imagens do Lacerda.


Paulo Henrique Amorim - Tem uma muito boa, o Lacerda de Nero colocando fogo no país.


Rodrigo Patto - É uma referência também ao famoso caso dos incêndios nos cortiços do Rio.


Paulo Henrique Amorim - Ah, uma coisa horrível. Ele tirou as favelas do centro do Rio com um incêndio.


Rodrigo Patto: Exatamente.


Paulo Henrique Amorim - Mas esta do Nero, do Augusto Bandeira, é inesquecível.


Rodrigo Patto - Ele era extremamente talentoso. Na história da caricatura ele foi esquecido, deixou de fazer caricaturas e se dedicou à pintura.


Paulo Henrique Amorim - É verdade, um grande pintor.


http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/400501-401000/400620/400620_1.html

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