sábado, outubro 07, 2006

05/10/2006

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DEBATE ABERTO

Viva a Liberdade de Imprensa!

Nesta fantasia política, nosso colunista narra um discurso que poderia ter acontecido: “Quero agradecer a meus irmãos da Opus Dei. Mas quero agradecer acima de tudo aos jornalistas brasileiros, sem os quais seria impossível desconstruir esse mito da política”.

“Quero agradecer em primeiro lugar aos meus companheiros de partido de São Paulo. Foi graças a São Paulo que estamos virando o jogo. E agradecer a meus irmãos da Opus Dei que me confortaram nos piores momentos da campanha até aqui. Mas quero agradecer acima de tudo aos jornalistas brasileiros, sem os quais seria impossível desconstruir esse verdadeiro mito da política que estamos enfrentando. Parecia uma tarefa impossível. O arquétipo do “pai dos pobres” estava profundamente enraizado no imaginário popular. Mas certos preconceitos também estavam e a imprensa foi muito feliz em fazer aflorar esses preconceitos. Lembro a todos a associação dos petistas a ratos através do poder da imagem, na capa de VEJA que vocês todos conhecem (1). Vários jornalistas, trabalharam essa associação depois por escrito, com grande sucesso.(2) Foi um risco calculado, usar mesma técnica que Goebbels usou no seu filme “ O judeu eterno”, para convencer os alemães de que os judeus deveriam ser exterminados. Mesmo porque, não se trata da eliminação física dos nossos adversários ou dessa raça, como disse equivocadamente, o nosso amigo senador Bornhausen. Mas se trata, sem dúvida, de sua erradicação da política brasileira. Outra associação importante foi com o conceito de “quadrilha.” Arnaldo Jabor foi muito eficaz quando escreveu que “com a eleição de Lula, uma quadrilha se enfiou no governo e desviou bilhões de dinheiro público para tomar o Estado e ficar no poder 20 anos. “ A própria palavra “petista” já está adquirindo uma conotação pejorativa. É, sem dúvida uma grande vitória na batalha pelas mentes e corações dos brasileiros... (interrupção por aplausos prolongados).

“Não importa se no final dos inquéritos em curso, não ficar provada corrupção no governo, ou que o dinheiro do mensalão não veio dos cofres do Estado, ou que a maioria dos esquemas de corrupção começou no governo anterior. Os jornalistas brasileiros agiram bem ao ignorarem formalismos como o da presunção da inocência ou o do direito à auto- imagem. E mais ainda ao cunharem a expressão “mensaleiro” que estigmatiza por igual toda uma categoria de políticos, independente do grau ou tipo de envolvimento de cada um. Foi através de abordagens corajosas como essas, ignorando a superada ética jornalística liberal, que conseguimos inculcar em grande parte do eleitorado a idéia da quadrilha (3) (aplausos).

“Da mesma forma, com a expressão “Nosso guia”, a imprensa conseguiu associar sutilmente a figura desse falso “pai dos pobres” à dos ditadores comunistas, Stalin, Mao e Enver Hoxa. (4) Com isso personalizamos a idéia geral , que já havíamos conseguido disseminar antes, de que essa gente é autoritária por natureza . Também conseguimos convencer boa parte do eleitorado de que esse “pai dos pobres”, não tem educação nem cultura, é um ignorante.E não foi fácil, dada a propensão do povo de respeitar as autoridades. Muitos jornalistas contribuíram para isso e todos eles eu agradeço.(5) A idéia de que se trata de um ignorante pegou fundo e hoje é encampada inclusive por intelectuais, como o dramaturgo Lauro Cezar Muniz que em declaração de grande destaque na Folha Ilustrada, explicou como “ a falta de escolaridade impede a pessoa de entrar em contato com a lógica” e que por isso nosso adversário “não tem clareza para governar o Brasil.”(6)

“A imprensa estrangeira também ajudou. Quero lembrar a vocês o artigo do New York Times sugerindo que o mito é um alcoólatra. A primeira reação do povo foi repudiar o jornalista americano, por aquele motivo que já mencionei, o respeito à autoridade, ainda mais quando atacada por um estrangeiro. Mas graças ao desastrado gesto de sua expulsão e posterior ajuda de alguns de nossos mais brilhantes jornalistas, conseguimos reverter esse quadro e hoje posso assegurar a vocês, são muitos os brasileiros que acreditam na tese do alcoolismo. Agradeço em especial ao diretor da sucursal da Folha em Brasília , que através de pesquisa cuidadosa nos mostrou que o alcoolismo está no DNA da família Silva. (7) Finalmente quero mencionar o brilhantismo com que alguns jornalistas trabalharem a delicada idéia de esse pai dos pobres e os petistas em geral são tipos patológicos. VEJA foi pioneira ao dizer que “Lula tem dificuldades patológicas em compreender o que lhe pertence e o que pertence e ao Estado.” (8) E Diogo Mainardi, comparou Lula ao Papa Léguas, “uma besta primária, um oportunista microcéfalo perfeitamente adaptado ao seu meio, que sabe apenas fugir das ciladas preparadas pelo coiote.” (9) Quero mencionar, em especial o artigo de José Neumanne Pinto: “Freud, Lombroso e Jung no Planalto”, publicado às vésperas da eleição, no jornal mais importante do país, O Estado de S.Paulo.10 Hoje, como vocês sabem, há um retorno ao paradigma genético, portanto ao modelo lombrosiano. Meus irmãos da Opus Dei, a propósito, nunca abandonaram a abordagem lombrosiana. O artigo de Neumanne foi tão importante, que o colocamos no nosso site. Enfim, sei que deixei de mencionar dezenas de jornalistas que também contribuíram para o combate ao mito. A todos agradeço de coração. E os conclamo a continuar a lauta.O mito foi duramente atingido, mas ainda não morreu. Nossa tarefa é destruí-lo. (aplausos prolongados, gritos de Viva a Liberdade de Imprensa, Viva São Paulo.)

- Fim do discurso de agradecimentos.

(1) VEJA, 25/05/2005.
(2) Entre eles, André Petry em VEJA, de 24/06/06( “ De ratos e homens”) .e Rubens Alves na Folha de S. Paulo, de 18/04/2006 (“ Os ratos e os elefantes”)
(3) O Código de ética dos jornalistas brasileiros, aprovado em congresso nacional da categoria e em vigor desde 1987, diz nos seus artigos 14 e 15: Art. 14. O jornalista deve: a) Ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas. b) Tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar. Art. 15 - O jornalista deve permitir o direito de resposta às pessoas envolvidas ou mencionadas em sua matéria, quando ficar demonstrada a existência de equívocos ou incorreções.
(4) A expressão foi repetidamente aplicada por Elio Gaspari em sua coluna e hoje já é usada por outros jornalistas.
(5) Reinaldo Azevedo chama o presidente de “analfabeto”, na epígrafe de seu site; Miriam Leitão, no O Globo, de 11/09/05, dedicou toda uma coluna à “falta de escolaridade do candidato do partido dos Trabalhadores”; e Sonia Racy, no Estadão de 19/01/06, concluiu que ao se referir ao Uruguai e Paraguai como “ nossos irmãos mais pequenos”, Lula revelou sua ignorância do vernáculo, quando a ignorância na verdade era dela, pois segundo a gramática de André Hildebrando de Afonso a expressão é correta e de uso corrente em várias regiões.
(6) Folha Ilustrada, 07/03/2006. Cezar Muniz parece ignorar que o raciocínio lógico é inerente ao cérebro humano. Até mesmo os loucos raciocinam com lógica. O que muda é o conteúdos do raciocínio, conforme se trate de um saber cientifico, ou religioso, popular, ou supersticioso.
(7) Josias de Souza, Folha de São Paulo, 16/05/04: “Alcoolismo marca três gerações dos Silva.”
(8) VEJA, 12/07/06.
(9) 28/06/06
(10) OESP, 20/09/06

Bernardo Kucinski, jornalista, é professor da Universidade de São Paulo. É autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).

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