Os resultados das eleições de 1º de outubro deram origem a uma tipologia de comentários segundo os quais, em síntese, o brasileiro teria se entregado de vez à imoralidade.
O fato de a maioria do eleitorado acreditar (certa ou erradamente, não importa) que o presidente Lula tenha tido conhecimento prévio dos malfeitos praticados por altos dirigentes de seu partido e, mesmo assim, ter-lhe dedicado quase 50% dos votos, é visto por determinados observadores como o fim dos tempos.
Entre os brasileiros, recairia sobre os paulistas dose alentada de culpa por essa pretensa decadência de costumes, por terem conduzido ou reconduzido ao Parlamento indivíduos como o sr. Paulo Maluf e uma quantidade não-regulamentar de mensaleiros e outros implicados em crimes diversos.
Trata-se, tudo isso, de moralismo temperado de desinformação, não sem boa parcela de hipocrisia.
Querem esses comentaristas impingir a noção de que julgamentos de natureza moral teriam precedência sobre quaisquer outras circunstâncias nas decisões materiais, como é a decisão do voto.
Acontece que o que entra em jogo nas decisões materiais são principalmente considerações de natureza material. Para os 70% de eleitores de Pernambuco ou da Bahia que votaram em Lula, o que conta é que os R$ 60 do Bolsa Família fazem diferença concreta em suas vidas. Os números mostram isso objetivamente. O nível de consumo subiu nessas populações.
É claro que R$ 60 não são nada para o autor das presentes maltraçadas, para o eventual leitor ou para aqueles que se comprazem em condenar moralmente o sujeito miserável para quem esse dinheiro faz diferença.
O trágico nisso é que esses Torquemadas chorosos não têm noção do fato de que a vida desses miseráveis muda, sim, radicalmente por conta de miseráveis R$ 60 por mês.
Nunca foi tão verdadeira a máxima segundo a qual a pior colonização acontece na cabeça. No caso, se trata de uma colonização de classe social. Para eles, a miserabilidade brasileira é uma abstração, reduzindo-se a índices que lêem aqui ou ali. Comportam-se como freqüentadores de shopping center, convictos de que no Brasil só é pobre quem quer.
São também hipócritas, porque, sem a menor sombra de dúvida, em suas trajetórias profissionais terá havido ocasião de terem relegado a segundo plano algum julgamento moral que formaram a respeito de subordinados, superiores hierárquicos ou patrões.
Lastimam-se essas freiras do pensamento pequeno-burguês pelo futuro moral do Brasil devido ao fato de os alagoanos terem eleito o sr. Collor de Mello para o Senado. Esquecem-se de que Collor é o sátrapa local das comunicações (rede de rádio, TV, jornal diário) e que Alagoas é o fim da picada, um estado dominado pelo que há de pior entre as oligarquias rurais nordestinas. Queriam esses moralistas lacrimejantes que o alagoano analfabeto raciocinasse como Afonso Arinos?
E quanto a Maluf? Foi de fato eleito deputado federal por São Paulo. Mas foram “os paulistas” que elegeram esse senhor? Teriam “os paulistas” mergulhado de cabeça no “rouba mas faz” por causa disso e por causa de mensaleiros diversos reconduzidos à Câmara? (Quanto aos sanguessugas os patrulheiros da moral rasa se calam, sem dúvida porque o fato de terem sido rejeitados nas urnas desmente seu diagnóstico.)
Os eleitores que votaram em Maluf foram pouco menos de 740 mil num colégio eleitoral de 28 milhões, dos quais 23,77 milhões votaram para a Câmara Federal. E quem são os eleitores típicos do sr. Maluf? Formam uma direita boçal cuja preocupação fundamental na vida é saber se a rua em que moram será protegida por cancela e seguranças. Sem dúvida, esses também condenam a corrupção, mas vêem em Maluf uma resposta para seus anseios. E eles são só 740 mil, não são 24 milhões. (Celso Pitta, que segundo a teoria da decadência moral deveria ter sido eleito, recebeu 7.484 votos.)
Por fim, os mensaleiros. Entre eleitos e não eleitos, eles somaram 524.077 votos. A quem se devem esses votos?
Devem-se à imprensa. Foi a imprensa brasileira que comprou a história da Carochinha de que o propinoduto gerenciado pelos dirigentes do PT tinha finalidade eleitoral.
Muitos dos comentaristas que hoje se lastimam pela eleição de mensaleiros estiveram entre os que mais valentemente compraram a ficção do caixa dois eleitoral e que promoveram a inútil discussão travada durante meses, no ano passado, sobre financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais.
Apesar de ser absurdo dizer-se que um modelo de financiamento eleitoral, qualquer que fosse, teria alguma espécie de efeito sobre o fato de uns indivíduos receberem propina num esquema de corrupção, foi exatamente isso o que uma quantidade extraordinária de formadores de opinião comprou e vendeu em 2005. Com isso, absolveram moralmente os mensaleiros.
Esse filho é deles.
http://www.osamigosdopresidentelula.blogspot.com/
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