terça-feira, outubro 17, 2006

O Vermelho (15/10/06)


Discurso preconceituoso e racista ganha força na campanha anti-Lula

Cláudio Gonzalez para o portal O Vermelho

Luiz Inácio Lula da Silva tem sido vítima e discursos preconceituosos desde que disputou pela primeira vez um cargo executivo (em 1982). Mas na atual disputa eleitoral, com o crescente protagonismo da internet na campanha, o nível de baixaria e preconceito contra Lula chegou a níveis nunca antes observados numa eleição presidencial.

O portal de relacionamentos Orkut foi alvo, recentemente, de processos judiciais que denunciam a utilização do site para a propagação de idéias racistas, preconceituosas e moralmente ofensivas. Como reação às denúncias, a Google Inc., controladora do Orkut, determinou a retirada de todas as comunidades que contivessem conteúdo inapropriado.

Mas o que a Google não se deu conta ainda é que o "perigo" mora também em ambientes onde não se imagina que o preconceito e o racismo vão prosperar. Comunidades criadas no rastro do processo eleitoral, como as que são dedicadas às candidaturas presidenciais, são diariamente bombardeadas com mensagens de ódio e preconceito. Na comunidade "Nós votamos LULA Presidente 13", a todo momento são denunciadas mensagens de conteúdo racista e preconceituoso, em geral disparadas por pessoas que se auto-declaram anti-Lula e de alguns que se definem como apoiadores da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB).

É preciso ressaltar, porém, que o site oficial do candidato Geraldo Alckmin, em nenhum momento reproduziu, repercutiu ou incentivou qualquer mensagem deste tipo.

"Pobre", "nordestino" "ignorante"...

Um dos comentários mais polêmicos foi de um usuário do Orkut que proclamou que Alckmin "não irá precisar dos nordestinos" se for eleito presidente. Um outro usuário chegou a espalhar uma imagem propondo a divisão do país em duas partes: o Norte e Nordeste ficaria sob a presidência de Lula e o Sul, Sudeste e Centro-Oeste sob o comando de Alckmin. Outro usuário, escreveu "o pobre é burro por natureza, ele vota no Lula para continuar pobre''.

Devido à enorme quantidade, seria impossível listar todas as mensagens de cunho preconceituoso que percorrem o Orkut diariamente, mas o tom de todas elas é sempre muito parecido.

As "peças" de propaganda anti-Lula não ficam restritas ao Orkut. Elas se espalham pela Internet com uma velocidade espantosa. É difícil encontrar um usuário de internet que não tenha recebido em sua caixa postal eletrônica pelo menos uma mensagem que qualifica o presidente como "ignorante", "iletrado", "nordestino burro", "operário cachaceiro" e outras tantas de calão ainda mais baixo. E nos últimos tempos, esta adjetivação deplorável passou a ser estendida também aos eleitores do presidente.

Uma das mensagens que mais se propagaram através de e-mails foi uma falsa carta atribuída, também falsamente, a uma pessoa de nome Otacílio na qual se registrava: "Senhor Lula, o senhor foi colocado onde está por pessoas tão ignorantes quanto o senhor".

Mas a difamação é tamanha que a campanha de Lula precisou criar um boletim chamado "Boletim anti-vírus", destinado a desmentir e criticar as mensagens espalhadas pela Internet. Segundo texto deste boletim, parte significativa das mensagens anti-Lula que circulam na Internet é constituída de charges, piadas, fotos e frases depreciativas contra o presidente da República. Há de tudo: de mentiroso a analfabeto, passando por bêbado.

"Claro que se trata de grosseria, pura e simples. Mas, no fundo, estamos diante de um velho e lamentável conhecido: o preconceito de classe. Numa de suas variantes, o trabalhador não teria condições de governar o país, porque não teria a "alta cultura" exigida para tanto", diz o boletim.

Deficiência vira motivo de piada e peças de campanha

Fora da Internet (mas alimentada por ela) o preconceito ganha forma através de peças de campanha como adesivos e panfletos apócrifos. Na região Sul, apoiadores de Alckmin distribuíram nas últimas semanas adesivos mostrando a figura de uma mão, com quatro dedos, dentro de um círculo cortado pela tarja símbolo de ''proibido''.

A militância pró-Lula reagiu à ofensa e criou um outro adesivo, que mostra o desenho de uma mão aberta em ''L'', símbolo das campanhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado dos dizeres ''Sou contra o preconceito, sou Lula''. A iniciativa foi do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que mantém em seu site modelos do adesivo e comentários sobre a campanha preconceituosa dos adversários de Lula.

O presidente perdeu o dedo mínimo da mão esquerda num acidente de trabalho, quando era torneiro mecânico em fábrica do ABC paulista. Também a Associação Paranaense de Deficientes se mostrou indignada com a imagem, que incentivaria o preconceito.

Segundo o assessor da campanha de Lula no Paraná, Fernando César de Oliveira, o adesivo está disseminado em Curitiba e no interior do Estado. O material também foi visto em Goiânia e São Paulo.

Em Porto Alegre, o mesmo material foi apreendido no último domingo. Ele era distribuído por correligionários da coligação Rio Grande Afirmativo, de Yeda Crusius (PSDB). A juíza eleitoral Ângela Maria Silveira determinou busca e apreensão dos adesivos por considerar que promoviam manifestação preconceituosa em relação ao presidente.

Um leitor do Vermelho que prefere não se identificar, enviou uma mensagem ao portal lamentando a campanha anti-Lula que explora a deficiência do presidente. Ele afirma que, na empresa onde trabalha, recebeu um e-mail contendo uma imagem explorando de forma jocosa os quatro dedos de Lula. "Além de confundir o eleitor mais simples, é extremamente preconceituoso. Recebi este e-mail do meu gerente e fiquei chateado, pois também perdi parte do indicador e médio da mão direita", protesta.

Lideranças derrapam em comentários polêmicos

Mas o discurso preconceituoso não está impregnado apenas na ''militância'' que faz a campanha de Alckmin acontecer. Lideranças importantes do PSDB, como o recém-eleito governador de São Paulo, José Serra, e até o vice na chapa de Geraldo Alckmin, o senador José Jorge (PFL-PE), já foram flagrados em comentários polêmicos. Isso sem falar na já clássica frase do pefelista Jorge Bornhausen sobre "acabar com essa raça" de petistas.

No último dia 16 de agosto, durante uma entrevista ao programa SPTV, da Rede Globo, José Serra afirmou que parte da culpa pelos maus resultados da educação no estado de São Paulo seria dos migrantes. ''Diferentemente dos Estados do Sul [que foram os primeiros colocados na avaliação], São Paulo tem muita migração. Muita gente que continua chegando... Este é um problema'', afirmou Serra.

Já o vice de Alckmin, senador José Jorge, comentou que a votação de Lula no primeiro turno seria prejudicada por causa dos eleitores nordestinos que, segundo insinuação do senador, não sabem votar direito. ''No Nordeste, onde o Lula tem a maioria, o aproveitamento do voto é menor, porque as pessoas erram mais'', afirmou José Jorge.

E não apenas os tradicionais aliados apelam para o preconceito, mas também os novos aderentes da candidatura tucana, como o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, dão sua cota de contribuição para difamar o adversário a partir de comentários discriminatórios. Em texto publicado nesta quarta-feira (11), Garotinho, que é evangélico, repudiou os rituais de religiões afro-brasileiras. Além da manjada tradição de citar os recentes escândalos no governo, Garotinho diz que o presidente Lula fez vodu na África e "tomou banho de pipoca na Bahia". "Sempre fui um defensor da liberdade religiosa. Mas é inadmissível que um cristão renomado, que conheça a palavra de Deus, vote em Lula, sabendo o que ele faz para ganhar voto", cita Garotinho no texto.

Mídia grande também destila seu veneno

Setores da mídia conservadora também ajudam a colocar lenha nesta fogueira. Basta lembrar a lamentável reportagem da revista Veja, na qual o semanário estampou na capa a foto de uma mulher negra, título de eleitor na mão e a manchete espalhafatosa: "Ela pode decidir a eleição". A chamada de capa ainda trazia a maldosa descrição: "Nordestina, 27 anos, educação média, R$ 450 por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro". Segundo o jornalista Altamiro Borges, "o intuito evidente da capa e da reportagem interna era o de estimular o preconceito de classe contra o presidente Lula, franco favorito nas pesquisas eleitorais entre a população mais carente"

Algum tempo depois, foi a vez do jornal O Estado de São Paulo alimentar o mesmo dicurso. Em matéria do dia 25 de setembro, o Estadão afirma que "eleitor do Nordeste expressa maior tolerância com desvios do que o do Sudeste". O tom preconceituoso da matéria chocou até mesmo profissionais da grande imprensa. O jornalista Franklin Martins escreveu em seu site um texto no qual afirma que "Jogando com números de uma pesquisa do Ibope que não prova nada, a matéria tenta sustentar a tese de que os nordestinos, os pobres e os negros dão menor valor à questão ética do que os habitantes do "Sul Maravilha", os ricos e os pobres." ... "Mas há mais.

O Estadão avalia também que a pesquisa do Ibope permite estabelecer relação entre cor de pele e rigor moral: ‘Os que se autodeclaram brancos são mais implacáveis com a ética: 88% não votariam num corrupto; os que se autodeclaram pardos cobram menos e 85% não votariam em indiciados por corrupção; mas os que se autodeclaram pretos são os menos rígidos com a ética: só 82% negam o voto a corruptos’. Queira-se ou não, a idéia que se passa é de que, quanto mais escurinha for a cor da pele, maior será a frouxidão com valores éticos"..."Tenha a santa paciência...", protesta Martins, certamente externando uma indignação que é de todos os brasileiros de bom senso.

Já a Folha de S. Paulo é mais cuidadosa em relação a matérias que envolvem conceitos étnicos e raciais, mas é adepta de outro tipo de preconceito: o que atinge pessoas com pouca escolaridade. Exemplo claro disso é a lista de perguntas que o jornal da família Frias havia preparado para o presidente Lula caso ele tivesse aceitado participar da sabatina agendada pelo jornal durante o primeiro turno das eleições. Entre as 50 perguntas que poderiam ser feitas, estavam algumas do tipo: "Como o sr. responde aos que o consideram um deslumbrado com o poder?", "Qual o último livro que o sr. leu? Poderia comentá-lo?" e "O sr. é extremamente católico. Já foi criticado por uma espécie de discurso messiânico. O sr. de fato considera que é melhor que seus antecessores, que é predestinado? Por quê?".

Desabafo de um eleitor

Em artigo publicado no site AfroPress, o cineasta Joel Zito de Araújo desabafa: "Para nós que temos sensibilidade e faro para o preconceito e o racismo, não será evidente o quanto de preconceito étnico (nordestino) e de classe está por trás da campanha anti-lula?

Confesso que, também por uma questão racial e de classe, sinto nojo do que leio na imprensa e ouço da classe média que circulam em torno de mim. Não sinto nenhuma intimidade e identidade com os articulistas da Folha, de O Globo, e com esse enorme clamor udenista da classe média pela punição ética do Lula.

Esse é o mesmo povo elitista de sempre, de mentalidade colonizada que odeia a nossa luta política, as proposições de cotas, o povo real que temos. E, que nos odeiam e nos vêem como porta-vozes do atraso e do ressentimento. Vejam onde estão os principais nomes que combatem as cotas?

É por tudo isto, e pelas coisas positivas que Lula fez no campo da cultura, no campo racial, na diminuição do sofrimento daqueles que são realmente pobres, na política de estreitamento de relações sul-sul, inclusive com a África, que decidi o meu voto. Embora tudo isto que nomeio como positivo seja passível de muita crítica. Nada foi feito de forma irretocável. Mas foi um avanço.

Essas são as razões que decidi pelo voto no Lula, e que me levaram a escrever este artigo, desejando ardorosamente que esta novela ridícula acabe no próximo domingo."

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