sábado, outubro 14, 2006

08/08/2002

Francisco Garisto: "FHC não resistiria a um ano de investigações"

Publicação :
Agência Carta Maior

Autor da matéria : Maurício Hashizume
Enviado por :

Wellington Dantas


Empunhando uma Constituição, ele brada: “Está bem claro aqui. A polícia é um instrumento do Estado, não do governo”. Francisco Carlos Garisto, presidente da Fenapef (Federação Nacional de Policiais Federais) – entidade que abarca 27 sindicatos e tem um total de 12,8 mil associados em todo o Brasil – não tem nenhuma dúvida do “uso político” do trabalho de profissionais da categoria que representa. Longe do palácio do Planalto, o presidente Fernando Henrique Cardoso "não resistiria a um ano de investigações", prevê o sindicalista.

Dono de uma segura concepção de Justiça e claro na exposição de suas idéias, o advogado e jornalista Garisto é protagonista de uma história pessoal movimentada. Entre outras passagens, já foi fornecedor infiltrado de éter e acetona para o Cartel de Medellín e chefe de segurança do Papa João Paulo II e do Príncipe Charles, em suas visitas ao Brasil.

Em seu estilo “metralhadora giratória”, o presidente da Fenapef alveja o controle do Poder Executivo sobre a PF, a necessidade do inquérito nas investigações, o procurador-geral da República, o novo ministro da Justiça, a imprensa, o PT e, acima de tudo, chama atenção para a situação "calamitosa" que os policiais federais enfrentam diariamente.

Agência Carta Maior - A Federação da qual o senhor é presidente organizou manifestações em diversas capitais do país denunciando o “uso político” da Polícia Federal. Como o senhor sustenta essa posição?

Francisco Carlos Garisto - O grande problema de tudo isso é o controle do Executivo sobre a Polícia Federal. A nossa estrutura de poderes é arcaica. As polícias, tanto a federal quanto a estadual – são imperiais. É mais um dos braços do governo. A polícia militar, por exemplo, não é um órgão que se preocupa exclusivamente com a segurança da população. Se o governador mandar a PM fazer tal coisa, eles vão lá e fazem. Já houve várias denúncias de escândalos envolvendo o Executivo. Aqui no Brasil, esse tipo de acusação não dá em nada: o assunto é tratado como se apenas mais um copo fosse quebrado. Se fosse em outros países, muita gente já teria caído.

O bendito “inquérito” - que só existe no Brasil, em Uganda e no Quênia -, incrementado quando o (candidato ao Senado em São Paulo pelo PFL) Romeu Tuma foi chefe da Polícia Federal, contribui, e muito, para essa estrutura. O que falta mesmo é uma revolução na PF. Temos que adotar o modelo da FBI (Federal Bureau of Investigations), dos EUA. E que não se confunda: não queremos poder. O que falta é o cumprimento das atribuições e não ausência de poderes. É diferente. No modelo atual, o juiz faz o que bem entende, o delegado também faz o que bem entende. Enquanto isso, a Polícia Federal está sem dinheiro para telefone, para gasolina. O sistema está todo errado porque propicia a corrupção.

As denúncias envolvendo a Bolsa-Escola, por exemplo. A PF já deveria ter instaurado um inquérito sobre o caso faz um tempão. O problema é esse: nós não trabalhamos de acordo com nossas atribuições. Hoje, infelizmente, se age por meio da imprensa e da Procuradoria-Geral da República. A polícia não é um instrumento do governo, é um instrumento do Estado. O Campelo, o Agílio Monteiro e o Chellotti estão aí se candidatando. É mais uma prova que existe hoje claramente uma vinculação política no serviço da polícia.

CM - Pelo menos três casos de afastamento de delegados - Deuler Rocha (privatização da Telemar), Deuselino Valadares (Sudam) e José Francisco de Castilhos Leite (lavagem de dinheiro por meio de contas CC-5) - são apresentados pela Fenapef como exemplos desse "uso político" da PF. Até onde eles chegaram em suas investigações? Por que eles não se manifestam?

FG - Os delegados não falam. Se falar, não é nomeado para mais nada. O Deuler (Rocha), por exemplo, foi afastado da investigação que estava tocando para fazer passaporte. Agora, no entanto, ele já está cotado para ser superintendente. A PF tem hoje um quadro de sete mil pessoas. Cerca de 50% desses, no entanto, trabalham em funções burocráticas ou foram destacados para cumprir funções fora da PF. Só para se ter uma idéia, a Argentina, que tem mais ou menos 35 milhões de habitantes, possui 40 mil policiais federais. A PF, no Brasil, para cuidar de 170 milhões, não tem dinheiro – com o perdão da expressão - nem para limpar a bunda.

Eu conheço a delegada (Patrícia Freitas) que assumiu o caso do Deuler. Ela trabalhava aqui em Brasília. Não há nada de errado com ela. O que não se pode aceitar é que uma investigação com uma pilha grande de 78 volumes seja parado para se recomeçar tudo de novo.

Aqui no Brasil o caso se dá por encerrado quando surge um escândalo maior. Não se apura coisa nenhuma. Eu discordo com a idéia de que a corrupção aqui no Brasil seja endêmica, inerente ao nosso País. Ela é epidêmica, isso sim. É possível controlá-la. Mas o governo FHC não se dá o respeito. Quantas denúncias estão paradas na “gaveta” do (procurador-geral da República, Geraldo) Brindeiro? E não sou eu que digo isso, não. Todo mundo chama ele de "engavetador-mor".

CM - Falando em Brindeiro, qual é a avaliação do senhor a respeito do arquivamento do pedido de intervenção no Espírito Santo?

FG - O caso do Espírito Santo é típico de crime organizado. Existe toda uma confusão por causa do que é divulgado pela imprensa. Empunhar uma AR-15 não significa crime organizado. O Fernandinho Beira-Mar não coordena cadeias de crime organizado coisa nenhuma. O crime está infiltrado no Judiciário, nas empresas, nos órgãos públicos no Espírito Santo. O espaço e o destaque dado pela mídia à violência nos grandes centros urbanos serve para acobertar as ações da “alta cúpula” do crime. A violência sem medida é uma característica da sociedade em que vivemos.

Eu conversei com o (ex-ministro, Miguel) Reale Júnior e ele deu a seguinte declaração: “Garisto, eu não vou trocar cinco meses de Ministério pelo meu sobrenome, pela minha história”. E foi isso que ele fez.

CM - Outro tema que está muito em voga e envolve a PF é o chamado grampo. Como o senhor interpreta os últimos episódios envolvendo grampos?

FG - O que eu acho engraçado é que só é investigado quem grampeia e não quem é citado nos grampos. O caso do Sivam, ainda mais agora com essas novas denúncias, é uma excrescência. Com a Raytheon, os EUA não precisam nem se mexer, o satélite é deles, os dados passam todos por eles. Até o PT entrou nessa onda de acusar quem faz o grampo.

O PT tem que entender que não basta colocar uma estrelinha no peito para a corrupção passar fora do indivíduo. O partido pecou, por exemplo, no caso da investigação de Santo André. Dizer que o juiz foi enganado (para autorizar quebras de sigilos telefônicos) é bobagem. Existia, de fato, a possibilidade do assassinato ter motivações políticas. As quebras foram pedidas em um procedimento de praxe.

O caso do Lula, no entanto, é bem diferente. Para mim, é um dos casos mais evidentes de uso político da PF. Como o delegado não notificou a CPI do Narcotráfico que o Lula estava sendo investigado? Foi uma tentativa de minar a candidatura do Lula. Eles passaram dois anos fazendo uma devassa na vida dele. Inventaram uma história de que a filha dele estaria estudando na França às custas do partido; disseram que ele tinha um apartamento em um condomínio “x” aí. Tudo mentira. Não conseguiram provar nada. Mas não há dúvidas de que estava sendo preparada uma “capa de revista” com a intenção de derrubar a candidatura Lula.

CM - Estamos a três meses do primeiro turno das eleições. O que o senhor espera da disputa eleitoral deste ano?

FG - Estamos bastante preocupados com as eleições. O nosso chefe maior hoje, o ministro da Justiça (Paulo de Tarso Ribeiro), é um ilustre desconhecido. Ele não sabe nada de PF. Um ex-secretário da Fazenda do Pará. Nós estamos fazendo a nossa parte denunciando o uso político da Polícia Federal. Queremos uma PF independente do Ministério da Justiça para acabar com a relação de patrão e empregado...

No dia 1º de janeiro de 2003, quando tomar posse o novo presidente da República, um “efeito orloff”, em cadeia, pode ser desencadeado no trabalho da Polícia Federal. Eu duvido que o Fernando Henrique, com esse monte de acusações, resista a um ano de investigações. Muita gente pode falar: “isso é revanchismo!”. Não, não é. Nós só queremos esclarecer as coisas para a sociedade.

Se tivéssemos outra estrutura, seria possível fazer como nos Estados Unidos. Todos os presidenciáveis, a partir do momento que registram suas respectivas candidaturas, passam a ser imediatamente investigados. É assim mesmo. Todos os sigilos são quebrados. A lei dá garantia para que a polícia de lá cumpra com as suas atribuições.


http://www.longoalcance.com.br/sp2/ver_noticia.asp?id=684

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