FOLHA DO ESTADO: ARCANJO REVELA LIGAÇÕES COM ANTERO
03/05/2006 - 09h40Da Folha do Estado/MT - http://www.folhadoestado.com.br/cidades/?mat_id=119637
Arcanjo revela ligações com Antero
O bicheiro João Arcanjo Ribeiro disse que o senador Antero Paes de Barros, do PSDB, o teria procurado para pedir dinheiro antes da campanha de 2002. O encontro teve testemunhas, segundo Arcanjo. Já o senador admitiu ter ido à fazenda de Arcanjo, mas não para falar em dinheiro, e sim levar lá um empresário do ramo da piscicultura. Arcanjo revelou a suposta ligação com o senador em entrevista coletiva, ontem de manhã, na sala da administração da penitenciária Pascoal Ramos, sob forte escolta. Ele voltou a dizer que emprestava dinheiro a políticos e tem uns R$ 40 milhões para receber dos deputados estaduais José Riva, do PP, e Humberto Bosaipo, do PFL. “É mais fácil enumerar quem não pediu dinheiro, como patrocínio ou empréstimo”, disse ele, ao ser questionado sobre as campanhas políticas que teria ajudado por meio da factoring Confiança, empresa de Arcanjo criada para a lavagem de dinheiro, segundo apuração do Ministério Público Federal. Arcanjo negou ter participado do assassinato de Sávio Brandão, fundador da Folha do Estado. Ele, que é apontado como o mandante, disse que “pode ser” que o crime tenha sido praticado por um inimigo seu. O bicheiro, acusado de chefiar o crime organização em Mato Grosso, negou também que tinha influência na polícia. No entanto, ele admitiu que “alguém” o entregou uma cópia do ofício do Ministério Público Estadual endereçado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública que pedia investigação sobre o jogo do bicho, contravenção tocada por Arcanjo até 2002. O documento caiu na mão de Arcanjo antes da investigação começar. A entrevista durou 1 hora e 10 minutos. O advogado de Zaid Arbid, defensor de Arcanjo, distribuiu uma relação com as respostas perguntadas antes por jornalistas que queriam entrevistar o bicheiro. Leia trechos do diálogo e o do questionário. Arcanjo foi condenado a 49 anos de prisão por crimes financeiros e é apontado como o mandante de oito assassinatos.
Imprensa - Como o senhor conseguiu escapar da prisão, em 5 de dezembro de 2002?
João Arcanjo Ribeiro - Não houve fuga. Estava viajando para Goiás, onde tenho família. Fiquei sabendo de tudo e fiquei hospedado no meio do caminho [entre o território goiano e Mato Grosso] e lá fiquei aguardando. Como houve muita falha [ele acha que o Ministério Público Federal o incriminou injustamente] fiquei aguardando e não retornei para cá. Achei que tudo seria resolvido em alguns dias. Não houve fuga. [Arcanjo teve a prisão decretada em 5 de dezembro de 2002 e naquele dia, em que seus comparsas eram presos, ele sumiu de Cuiabá. Foi preso somente em abril de 2003, em Montevidéu, no Uruguai].
Imprensa - Correram boatos de que o senhor havia se escondido na casa de um político?
Arcanjo - Gostaria que fosse.
Imprensa - Como assim?
Arcanjo - Eu não deixei me prender. Dizem que podia ter ficado [na casa de político]. Se fosse na propriedade de um político importante, quem iria mexer? Mas quem seria este político? Não sei quem é. Vocês é que estão dizendo isso.
Imprensa - O senhor tem amigos políticos. Só que agora poucas pessoas têm a coragem de dizer que eram conhecidas do senhor. Ou freqüentavam a sua casa. O senhor tem mágoas?
Arcanjo - Isso é normal.
Imprensa - O senhor pretendia montar negócios no Uruguai?
Arcanjo - Eu ia montar. Poderia ser no Paraguai, na Argentina. [Arcanjo já era dono de offshore no Uruguai antes de ser preso]
Imprensa - A Folha do Estado (cujo fundador, Sávio Brandão, teria sido assassinado em 2002 por determinação de Arcanjo) publicou reportagem dizendo que o senhor agia como um Al Capone (famoso mafioso que fez fortunas nos EUA chefiando o crime organizado). Isso incomodou o senhor?
Arcanjo - Não, pelo contrário. Não incomodou. Quando incomoda, incomoda, quando não incomoda, pelo contrário... não incomodou.
Imprensa - Com freqüência, a Folha destacava reportagens sobre jogo do bicho e as máquinas caça-níqueis. O senhor não se incomodava com isso?
Arcanjo - Não.
Imprensa - O senhor conhecia Sávio Brandão?
Arcanjo - Conhecia, não era amigo dele. Mas nunca foi meu inimigo.
Imprensa - Então alguém pode ter mandado mata-lo para incriminar o senhor?
Arcanjo - É difícil você afirmar uma maldade desse tamanho. No entanto, essa é a explicação mais razoável que pode existir. O que posso afirmar é que eu não mandei matar Sávio.
Imprensa - O senhor era o chefe do crime organizado ou gerenciava negócios em nome de pessoas com poderes maiores do que o do senhor?
Arcanjo - E o que é crime organizado?
[os repórteres disseram-lhe o significado: bando ou quadrilha que conduz ações criminosas].
Arcanjo - Se isso é ser crime organizado, não chefiei o crime organizado. Até o dia 5 de dezembro de 2002 eu era o dono do jogo do bicho, só isso.
Imprensa - Como o senhor conseguiu tocar por tanto tempo o jogo do bicho, uma contravenção, sem ser incomodado pelas autoridades policiais?
Arcanjo - Em todo o Brasil existe o jogo do bicho. No Nordeste, por exemplo, tudo é um mar de rosa. Não há turbulência.
Imprensa - O senhor pagava para a polícia alguma coisa para manter o jogo funcionando?
Arcanjo - Não, sem interferência. Se fosse ter de pagar, era melhor parar. [Mesmo que na seqüência, Arcanjo tenha admitido que doou cestas de Natal a policiais civis e peixes a policiais militares de Mato Grosso] “Foi só uma vez”, disse.
Imprensa - É verdade que o rendimento diário com o jogo do bicho era de R$ 40 mil?
Arcanjo - Gostaria que fosse. O jogo do bicho é jogo de lavadeira. É um jogo pequeno.
Imprensa - O senhor ficou sabendo sobre a operação “Arca de Noé” (investigação policial que arruinou Arcanjo) antes do dia 5 de dezembro de 2002?
Arcanjo - Jamais.
Imprensa - Nesse dia 5 de dezembro a Polícia Federal entrou em sua casa e lá encontrou cópia de uma reportagem da revista IstoÉ que narrava os esquemas supostamente ilícitos e tocados pelo senhor. A reportagem nunca foi publicada. O senhor pagou por isso?
Arcanjo - Não. Isso foi ‘plantado’. Soube disso somente pela imprensa.
Imprensa - A Polícia Federal apreendeu ainda na sua casa um ofício do Ministério Público Estadual que havia sido encaminhado ao então secretário de Segurança Pública Benedito Corbelino pedindo investigação sobre o jogo do bicho?
Arcanjo - Não foi apreendido em minha casa, foi em meu escritório.
Imprensa - Então o senhor sabia que estava sendo investigado. Tinha algum informante?
Arcanjo - Chegou lá uma informação de que eu estava sendo investigado, em um envelope, mandado por uma pessoa que não quis se identificar.
Imprensa - Quais políticos o senhor, por meio das factorings, ajudou em campanhas eleitorais em Mato Grosso?
Arcanjo - É mais fácil enumerar quem não pediu dinheiro, como patrocínio ou empréstimo. As minhas doações ou empréstimos iam para a conta de pessoas ligadas a esses políticos. Geralmente os pedidos eram efetuados, diretamente, em meu escritório particular, na minha casa e na minha fazenda. Essas operações jamais eram divulgadas como dinheiro para campanha eleitoral. Quanto menos pessoas soubessem era melhor. Eu nunca fiz propaganda do dinheiro que dava ou mandava emprestar. Quanto aos nomes, prefiro ficar apenas nos que constam do processo em que já fui condenado na 1ª Vara Federal de Cuiabá. Somente posso afirmar que não pediram dinheiro emprestado para distribuir aos pobres.
Imprensa - O senador Antero Paes de Barros (PSDB) também teve despesas bancadas pela factoring, como afirma Luiz Alberto Dondo Gonçalves (responsável pela contabilidade de Arcanjo)?
Arcanjo - O senhor Antero é um velho conhecido, esteve comigo, pessoalmente, na minha fazenda, São João da Cachoeira, com dois amigos, antes da eleição de 2002. Lógico que como candidato ele não poderia ir lá e pegar o dinheiro emprestado em seu próprio nome. Acertamos para ele procurar o Nilson Teixeira, o chefe da factoring Confiança.
Imprensa - O comitê do PSDB operou em 2002 com a Vip Factoring (outra empresa de Arcanjo). Houve troca de cheques, segundo apuração do Ministério Público Federal, que sustenta isso com documentos do Bacen (Banco Central). Houve algum pedido para o senhor fazer o empréstimo?
Arcanjo - O comitê operou e só fui tomar conhecimento depois da operação, até porque, pelo que fiquei sabendo, tratou-se de uma operação de factoring, onde cheques pré-datados foram operados com o desconto dos juros.
Imprensa - Os deputados José Riva, do PP, e Humberto Bosaipo, do PFL, usaram dinheiro da Assembléia para pagar despesas de campanha, como afirmou Nilson Teixeira, o seu ex-gerente?
Arcanjo - A quebra de sigilo bancário das minhas empresas esclarece que efetuaram operações sim. Riva e Bosaipo foram lá e pegaram o dinheiro, só que antes me procuraram fora da empresa para pedir ajuda. A forma deles operarem era trazendo cheques de emissão da Assembléia nominais a terceiros e já devidamente endossados.
Imprensa - Em troca do pagamento de despesas da campanha, o senhor recebia algum benefício?
Arcanjo - Nenhum benefício. Não recebi tudo o que emprestei. Os deputados José Geraldo Riva e Humberto Bosaipo ainda me devem 22 promissórias de R$ 700 mil cada uma, mais juros e correção. E, para não pagar, ficam querendo se justificar com todos. Devem e vão pagar. Além dessas 22 promissórias, cujo débito vem da época dos atrasos dos duodécimos [repasse do governo estadual]. Com o episódio da Arca de Noé acreditaram que não precisavam mais pagar. Existem outros débitos desses deputados que precisam ser conferidos junto à documentação apreendida. Também irão pagar. Diversos outros deputados também têm débito com as minhas empresas, utilizando, sempre, documentos de familiares e de amigos comerciantes. Todos serão acionados judicialmente.
Imprensa - Riva e Bosaipo têm dito que não lhe devem nada.
Arcanjo - Você tem coragem de pagar uma conta de R$ 100, por exemplo, e não pegar o cheque de volta? Você tem coragem de fazer isso? [Arcanjo falou isso ao pôr em dúvida a versão dos parlamentares que disseram que nunca pegaram dinheiro emprestado de Arcanjo, mas deixaram em poder do bicheiro as promissórias]. Assim, não vou discutir a versão deles. Se não deve, não deve. Se deve, quero receber. Eu quero o que é certo.
Imprensa - O senhor se considera usado por políticos que agora não assumem a sua defesa depois de terem se beneficiado de seus negócios?
Arcanjo - Usado, jamais. Esquecido, como todo cidadão que não pode gerar mais favores e votos, sim. Aliás, essa é a razão do esquecimento.
Imprensa - As pessoas que acusam o senhor mencionam sempre a ajuda à manutenção dos seus negócios por meio de um braço político. Qual era, ou ainda é, sua relação com os homens que fazem, ou faziam, a política em Mato Grosso?
Arcanjo - A relação natural de todo negócio que se resolve com dinheiro, afinal é dando que se recebe, já dizia São Francisco de Assis.
Imprensa - O senhor tem mágoa de Pedro Taques ou Julier Sebastião da Silva, procurador da República e juiz federal que agiram na investigação e na sua condenação?
Arcanjo - Nenhuma mágoa. Erraram. O acerto deles não será com a justiça dos homens. Ainda não passaram pela provação divina. Abusaram do poder de que foram investidos. Fizeram o mal.
Imprensa - O senhor mexia com máquinas caça-níqueis?
Arcanjo - Não queria que surgisse esse negócio aqui para evitar que houvesse tumulto, como no Rio de Janeiro.
Imprensa - E como o senhor impediu?
Arcanjo - Há respeito com quem mexe com o jogo do bicho. As pessoas pedem para você. O [Rivelino] Brunini pediu, o Jesus [sargento José Jesus de Freitas] também pediu para mim. [Observação: os dois foram assassinados em 2002].
Imprensa - O senhor conhecia inimigos de Sávio Brandão.
Arcanjo - Não.
Imprensa - O senhor acha que algum inimigo pode ter mandado matar Sávio Brandão só para vê-lo na cadeia e, com isso, dominar o jogo do bicho?
Arcanjo - Pode ser algum inimigo sim. Gostaria, aliás, que vocês [imprensa] dessem uma força. Que busquem a verdade, me ajudassem.
Imprensa - Autoridades judiciais afirmam que o senhor sonegou R$ 840 milhões. É verdade?
Arcanjo - É preciso provar. Acho que não tem lógica esse número.
Imprensa - Todo o seu dinheiro está confiscado. Como tem se virado para pagar seus advogados?
Arcanjo - Meu genro tem dado uma força.
Imprensa - O que o senhor tem de renda hoje?
Arcanjo - US$ 10 mil que recebo do rendimento do hotel em Orlando, nos EUA. Esse dinheiro é entregue aos meus filhos, no Uruguai.
Imprensa - O senhor ainda é marido de Silvia Chirata? (também condenada por crimes financeiros)
Arcanjo - Não. Me separei dela há uns dois anos. Ela tem outro homem agora.
Imprensa - Casou-se com um uruguaio?
Arcanjo - Não. [Chirata mora com dois filhos menores em Montevidéu]
Imprensa - Quem é João Arcanjo Ribeiro?
Arcanjo - Sou o empresário do povo.
Imprensa - O senhor tem mais alguma coisa a revelar daqui para frente?
Arcanjo - Não. Tenho muito a resolver. Minha vida será devolvida. A verdade aparecerá. Acredito na Justiça.
Imprensa - O senhor já foi condenado a 49 anos de prisão e ainda responde por oito assassinatos. Como é enfrentar isso?
Arcanjo - Que a gente não vale nada. Nós não valemos nada. A vida é tudo.
Imprensa - Se o tempo voltasse atrás, repetiria tudo?
Arcanjo - Com certeza. Não devo nada e a verdade vai aparecer.
Jornal De Brasília - http://www.debrasilia.com/noticia_click.php?cod_noticia=3714
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