sexta-feira, abril 21, 2006

TUCANOS SOB SUSPEITA - PESQUISA DA UNB: FHC RENEGOU O SOCIAL

De Enock Cavalcanti/De Brasilia

Política pública

FHC renegou o social, aponta pesquisa da UNB

Análise inédita feita pela Universidade de Brasília mostra que programas sociais foram deixados para segundo plano em oito anos
de governo Fernando Henrique Cardoso

Nenhum dos sete programas de assistência social, em oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, atendeu à demanda real da população necessitada. Essa é a conclusão de uma análise detalhada dos programas do período FHC, cujas informações estão reunidas no livro Assistência Social no Brasil: um Direito entre Originalidade e Conservadorismo, da professora Ivanete Boschetti, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB). A pesquisadora relata dados alarmantes e mostra que o último governo não só investiu de forma precária na área social como reduziu a abrangência de iniciativas anteriores e não executou ações previstas em lei. O estudo foi concluído em 2003 e divulgado no início de 2004.

De acordo com a pesquisa, em 2002, apenas 2,57% do orçamento da Seguridade Social, que inclui os setores de Saúde, Previdência e Assistência Social, eram voltados ao último segmento. Esse número, em 1996, foi de apenas 0,68%, o que indica um grande aumento porcentual no período. “O aumento é grande em relação à verba inicial, que era irrisória. Mesmo assim, o governo terminou com um valor muito abaixo do razoável”, argumenta Ivanete. Alguns programas determinados pela Lei Orgânica de Assistência Social, de 1993, nem chegaram a ser implementados. Exemplos disso são os programas Auxílio Natalidade e Auxílio Funeral, que nunca saíram do papel.

Ao final do mandato, apenas 4,96% dos portadores de necessidades especiais com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo tinham acesso ao Serviço de Ação Continuada (SAC). Isso significa que só 150 mil, dos mais de 3 milhões de brasileiros nessa condição, que têm direito ao serviço, usufruíam de atendimento em instituições especializadas. Em relação aos idosos na mesma faixa de renda, 18,6% foram contemplados com assistência por entidades credenciadas pelo governo. Em números absolutos, a proporção é de 306 mil atendidos para uma demanda de 1,6 milhão de pessoas.

FORA DAS CRECHES – Mais de 10,1 milhões de crianças entre 0 e 6 anos, cujas famílias têm rendimento per capita abaixo de meio salário mínimo, teriam direito a atendimento por creches. Entretanto, em 2002, apenas 1,6 milhão delas estavam matriculadas, 16% do total. Os números oficiais das pessoas nas situações mencionadas são reportados na Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A parcela mais significativa de pessoas contempladas pelos programas de assistência social concentrou-se nos serviços de Benefício de Prestação Continuada (BPC). Trata-se do pagamento de um salário mínimo mensal para idosos acima dos 67 anos e portadores de deficiências, desde que, para ambos os grupos, a renda domiciliar seja abaixo de um quarto de salário mínimo per capita. Cerca de 32% dos portadores de deficiências e 75% dos idosos estavam incluídos nos programas. “Justifica-se o melhor desempenho do governo, nesses casos, porque os BPC são rigorosamente delimitados pela Lei Orgânica de Assistência Social, que existe desde 1993”, afirma a professora.

Aparentemente, com 75% de pessoas atendidas, os idosos nessa faixa de renda são razoavelmente contemplados. Ivanete, porém, argumenta que a população acima de 67 anos e com tal renda familiar é muito reduzida. “A Lei de 1993 previa que, no primeiro ano de funcionamento, o benefício seria para pessoas a partir de 70 anos. Essa idade cairia para 67 no ano seguinte e 65 no próximo, permanecendo estável dali em diante”. Entretanto, por medida provisória, FHC fixou a idade inicial em 67 anos. “Com essa MP, o governo simplesmente tirou o direito de uma grande faixa, dos 65 aos 67 anos”, reitera a pesquisadora.

Segundo Ivanete, a mais forte atuação em assistência social durante o período FHC, depois dos serviços de BPC, foi para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que atingiu 30% da demanda populacional em 2002. A assistência oferece bolsas para que crianças entre sete e 14 anos deixem de trabalhar e se dediquem exclusivamente à escola. As famílias residentes nas cidades recebiam R$ 45,00 e as que moram no campo, R$ 25 por mês. O número de crianças atendidas era pouco superior a 809 mil, de um total de 2,6 milhões.

A crítica da pesquisadora com relação ao Peti se dirige ao critério que estipula a faixa etária inicial para ter acesso ao direito. “Sabemos que muitas crianças começam a trabalhar a partir dos cinco anos, e o programa simplesmente deixa de atender essa grande faixa populacional”, garante.

De acordo com ela, outro problema é que o trabalho iniciado com as crianças não tem continuidade no momento em que se tornam adolescentes. O programa Agente Jovem, voltado aos recém-saídos do Peti e àqueles que respondem por infrações em liberdade assistida, entre 15 e 17 anos, assiste a menos de 1% dos que se enquadram nos pré-requisitos necessários. “Ou seja, 29% deixam de receber o benefício: alguns conseguem empregos, formais ou informais, mas a grande maioria volta para a rua ao deixar o Peti”, conclui Ivanete. No Agente Jovem, os jovens também recebem bolsa de R$ 45,00.

DEMANDA NÃO ATENDIDA – Apenas o Peti, o Agente Jovem e o SAC voltado a idosos aumentaram o número de atendimentos por iniciativa do governo FHC. O primeiro passou de mil crianças assistidas em 1996 para 809 mil. Já o segundo, que só começou em 1999, teve aumento de cinco mil para 62 mil. Também se pode constatar a ampliação dos BPC, mas, segundo a professora, isso não é mérito da gestão: “Sobre esses programas, a cobrança da Lei Orgânica é muito forte, o que assegura investimentos para esses serviços”. Apesar da ampliação, que chegou a 3.000% no caso do Peti, o atendimento nunca supriu a necessidade da população enquadrada nos critérios de benefício.

Os outros programas tiveram a abrangência restringida em relação a governos anteriores. Assim ocorreu com o serviço de creche, que em 1989 assistia a quase dois milhões de crianças e no fim do governo FHC atendia a 1,6 milhão. O mesmo se aplica ao SAC para portadores de deficiências físicas ou mentais, que passou de 272 mil para 127 mil contemplados de 1989 a 2002.

Ivanete afirma que o conceito e as estratégias de atuação também devem ser revistas: “Os programas não têm caráter preventivo, focalizam-se em situações instaladas”, diz a professora. Ações imediatistas são as tônicas da política social do período FHC e não contribuem, conforme a professora, para a melhora de longo prazo. “As ações governamentais só olham para o problema e não para o que será problema no futuro. As atividades são meramente ‘curativas’ e não mudam paradigmas”, argumenta a especialista. Programas fora da Seguridade Social, como os da área de Educação, não foram abordados por Ivanete Boschetti nesse levantamento, por problemas de dados incompletos.

Jornal De Brasília

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